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Mirian de Carvalho

mir3@infolink.com.br

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia da autora:

           Mirian de Carvalho nasceu no Rio de Janeiro. Estudou História da Arte, Educação Artística e Filosofia, área em defendeu Tese de Doutorado. Docente na UFRJ, lecionou Estética e realizou pesquisas sobre Artes Plásticas e Poética. Nos dias atuais, Mirian dedica-se à poesia, à crítica de arte, e desenvolve estudos sobre Cultura Brasileira. Alguns de seus poemas foram publicados em jornais, revistas e antologias poéticas. Em 1999, publicou seu primeiro livro de poesias: Cantos do Visitante (Edição da Autora). Em 2004, lançou Teia dos Labirintos (Ed. Escrituras), em 2005 lançou O Camaleão no Jardim (Ed. Quaisquer) e em 2006 trouxe a público o livro Travessias (Letras Contemporâneas). É membro das Associações Brasileira e Internacional de Críticos Arte. Como ensaísta, Mirian é autora de inúmeros trabalhos publicados em revistas especializadas, sendo também autora de posfácios, prefácios e capítulos de livros, e de textos publicados em jornais e catálogos de exposições. Em 2004, veio a público a obra A Escultura de Valdir Rocha (Ed. Escrituras). E, no ano de 2006, Metamorfoses na Poesia de Péricles Prade (Ed. Quaisquer).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José Lívio Dantas

 

Valdir Rocha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sandro Botticelli, Saint Augustine, Ognissanti's Church, Firenze

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

João de Deus Souto Filho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pedro Nunes Filho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mirian de Carvalho

 

[cinco poemas em cores]

 


VERMELHO

 

Em alameda livre, saltam meus cavalos

de carmim. Saltam com narinas afeitas

ao que vive ao redor da casa.

E ao redor dos limites do portão.

 

Eriçando a pele, meu cavalo de rosas

respira. Do mundo da fábula, chegou-me 

este centauro de corolas abertas. Afoita cauda 

correndo atrás do vermelho da crina. 

                                            

À procura de pouso e fêmea,

meu cavalo do verão se olha

no lago das chuvas.

 

Lambendo a imagem desfeita,

ele ergue imenso falo. E a tarde

o amansa às horas de lascívia. 

 

 

 

NEGRO

 

Nas manhãs nunca fora visto. Nunca

fora visto nas tardes do jardim. Chegara

o visitante notívago. Meu animal lendário

exibindo pelagem de negrume.

 

Da escuridão, ele chegara. Mas os hábitos

das flores noturnas não o queriam fúnebre.

Nem a madrugada em seu corpo

o queria temido.

 

Descendo-lhe o dorso de sombras,

o manto de narcisos luzindo sedas.

Luzindo texturas de carícia.

 

Ao bicho dos eclipses, as cores

da noite o faziam lânguido.

Acendendo-me desejos. 

 

 

AMARELO

 

Das sementes da papoula floresceu

o pelo-de-topázio. Carregando fardo

ameno, ele resfolega  atento ao que

lhe pulsa entre as veias e as costas.

 

Molhando-lhe o dorso, escorre a seiva

da amazona de lírios, que ao repouso

lhe roça o falo com sedução.

E lábios de pétalas. 

 

Vindo do Leste, ele acorda os pássaros.

Meu cavalo da manhã despertando

para o coito.

 

Meu cavalo de sol carregando

a vida. Que o recebe em berço

de gozo.

 

 

AZUL

 

Acariciado por madressilvas no lugar

das rédeas, o cavalo azul encontrou

par. E em cópula atravessou a noite.

Que se fizera fértil.

 

Chegando das selvas de junco, 

o deus de anil repousa do coito

ininterrupto. E em campo de feno

ganha forças de recomeço.

 

Plumas de pavão envolvendo-lhe

o corpo. Atravessando rios, ele contempla

a sede, para galopar dia e noite.

 

Patas azuis. Olhos de andorinha

cavalgando hortênsias. Ele veio do mar.

Às origens retornará. AZUL.

 

 

 

BRANCO

 

Dançando valsas, vem à frente

meu pégaso de jasmins, a rememorar

bailados e histórias narradas

pelo jardineiro de folhas.

 

Evadido das florestas, esse animal

das  flores mimadas transporta sela

de trevos, aguardando cavaleiro

que o conduza à dama do portão.

 

Pelagem de arminho dos cometas,

minha nuvem de cambraia se alteia

espantando vassouras e bruxas.

 

Cavalinho de lume acendendo

a noite. Meu pássaro da paz retorna

germinando os bosques.

 

 

 

Mantovanni Colares

 

Augusto dos Anjos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

 

 

 

Um esboço de Leonardo da Vinci

 

 

 

 

 

 

 

Lau Siqueira

 

 

 

Álvaro Alves de Faria

 


 

O CAMALEÃO NO JARDIM,

DE

MIRIAN DE CARVALHO

 

Enfim um livro de poesia. Diante de tantos equívocos desanimadores, é preciso saudar este belo “O Camaleão no Jardim”, de Mirian de Carvalho que, ao longo destes poemas, conta uma história deÁlvaro Alves de Faria canteiros de fogo, corpo de haste, ramos de pele, lábios de pétalas, flores noturnas, cavalos de carmim e outras imagens que pertencem à Beleza que ainda pode ser cultivada.  

Mirian utiliza a forma do soneto para exprimir e deixar que vivam seus poemas. Mas não utiliza a regra rigorosa do soneto, em sua métrica e ritmo. Deixa claro, no entanto, que o importante é dizer nos 14 versos de cada poema essa paisagem que pede a poesia para que possa existir. 

É como se Mirian de Carvalho contasse uma história com começo, meio e fim, utilizando a poesia como linguagem não apenas do sonho, mas da existência e do exercício de viver palavra por palavra, tudo de tal maneira construído que o livro inteiro se transforma num único poema. 

Quase no fim a poeta diz que seus sapatos repousam numa caixa, “mas / ao amparo ou desespero, vestem-me / a pele as palavras dos antepassados.” Ela confessa: “Meus objetos nunca são os mesmos”, enquanto diz ser “bem-vindo o visitante de todas as cores” e lembra a “rotina das nuvens”.  

Assim, o longo poema que é o livro transcorre digno à poesia que se propôs. Que mais poderá desejar um autor diante de sua obra? Nada, senão essa certeza de que a poesia ainda existe, basta que poetas como Mirian de Carvalho continuem a colhê-lha onde está a vida e a possibilidade de viver.

 


 

Link para a page de Alvaro Alves de Faria

 
   
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

 

Leontino Filho

 

 

Lucinda Persona


Cores e contornos da poesia

O que a poesia pode trazer para todos? Velha pergunta. T. S. Eliot afirmou que era prazer. Muitos já explicaram de outros modos, mas, no fundo, é na linguagem do (e para o) prazer que ela se expressa. E, é nessa linguagem certamente que iremos confabular em torno do livro “O Camaleão no Jardim” (São Paulo: Quaisquer, 2005) da ensaísta e poeta carioca Mirian de Carvalho, também professora (UFRJ), pesquisadora, doutora em filosofia e crítica de arte.

Adequadamente, seu livro vem com o referido título, realçado pelo desenho de capa, reproduzido da bela obra de Marola Omartem. É uma linda aproximação de palavra e figura. O camaleão, esse animal mutável, é o grande núcleo multiplicador de imagens. É o centro gerador das cores e formas de um rico universo poético.

É muito gratificante para quem ama a poesia ver o modo justo como um poeta desenvolve os processos internos de sua prática. “O Camaleão no Jardim”, ao mostrar as inconstâncias do ser e as desafiantes imagens da alma, evoca também a própria natureza camaleônica da poesia e o seu poder de se harmonizar com tudo. Talvez seja conveniente aqui dizer que a poesia só pode ser tomada a partir de sua mutabilidade, de sua faculdade de estar sob qualquer forma, acima e além de qualquer forma e em qualquer lugar.

É assim que podemos caminhar no jardim de Mirian de Carvalho. Pela estrada da memória, a vegetação e a fauna. A combinação das duas, impondo-se como constante temática. Um entrelaçamento de tempo remoto e tempo presente. Um cenário misto e grandioso, remetendo a figuras colossais, seculares, mitológicas, simbólicas, como: sereias, unicórnios, dragões, éden e, fazendo ressurgir também as figuras da vida comum e daquilo que podemos ver ao nosso redor.

Muito especial a maneira pela qual a poeta expõe o gosto particular pelas florações, a maneira pela qual explora a estrutura e fisiologia de um jardim misterioso. A série híbrida “Pelagem de Flor” é uma vigorosa montagem onírica. Em cada poema vão se revelando as mais prementes motivações poéticas, unidas a outros sentidos, como por exemplo, o do imprevisível surgimento do poema, a qualquer hora, “a caminho do supermercado”. Há uma impossibilidade de calar as belezas do mundo, como o caso das “glicínias na sala de jantar”. As coisas cotidianas têm valor, as emoções diárias não se perdem.

Algumas expressões: “o xale verde das samambaias” e “no meu jardim, sob mares de formigas dormem vegetais”, tornam mais significativa a existência das coisas em si, alertam para uma dimensão vista muitas vezes com indiferença. Quem se importa com o batalhão de formigas? O poeta, por certo. A propósito, poeta se importa até com “uma perna de formiga, desprezada, dentro do mato”, conforme canta Manoel de Barros em seus “Poemas rupestres”.

Mirian de Carvalho faz uma poesia atual e rica, numa estética cromática contagiante e que muito aguça a imaginação. Suas plenitudes extravasam em múltiplas imagens, num baile de cores, num jardim de grande densidade poética. Seu texto e seu caminho se realizam em preciosas aventuras. O poema “Eterno retorno” é uma fina interpretação de uma das lições mais inquietantes dentro da filosofia, quando diz: “Nessa pequena viagem do sol que/ de nós se afasta para continuar o eterno/ retorno”. O tom desse verso remete ao eterno prazer das belezas compartilhadas.

 


 (Diário de Cuiabá, suplemento DC Ilustrado, de 15/04/2007)

*Lucinda Persona é poeta, professora (UNIC) e colaboradora do DC Ilustrado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

19.04.2007