Impressões impressas de “Títeres de Ninguém”
Correr os olhos por
TÍTERES DE NINGUÉM, de Valdir Rocha, não só impõe o alumbramento
pela trincheira das palavras devidamente encadeadas – embora mui a
propósito o estilo de sua poesia concreta possa induzir o leitor a
uma falsa percepção do emaranhado de letras desconexas –, como
também nos dá a sensação de que, para ser poeta, é necessário
fazer-se a partir das entranhas.
As frases introdutórias
representam a tesoura afiada a cortar sem maiores traumas os fios
que porventura suspendam a cabeça, mãos, joelhos e pés de um boneco
articulado que possa vir a ser o leitor. Sim, porque o substantivo
títere quer dizer justamente fantoche, marionete. E ser
títere de ninguém é abandonar as linhas condutoras do vício dos
manejos de quem guia. Afinal, ser poeta é negar a possibilidade de
não ter posições próprias; não se é impunemente poeta sem
liberdade.
Cortamos os fios com
imenso sabor, ao assimilarmos que “ninguém sabe o que é. O que se
sabe não se diz. O que se diz não se vê.” (Lindolf Bell), ou que
“em prosa é mais difícil de se outrar.” (Fernando Pessoa), e mesmo
quando aprendemos que “as coisas já nascem com um nome. Nós é que o
descobrimos...” (Carlos Nejar)
São muitas as sensações
nesse caleidoscópio ritmado que Valdir Rocha, de modo sorrateiro,
nos faz perceber, anunciando que “falta a palavra rara/ e que virá
ou veio/ - com certeza –/ qualquer dia” (Adivinho), e
soltando ao vento o grito de liberdade, ao suspirar que “sou
praticante infiel e assíduo/ do desescutar” (¿Palavras?).
Os enigmas correm
soltos pelo delicioso caminho poético, e quase sentimos a perfeição
de nossa finita paciência e infinda procura das sensações correntes,
quando o poeta diz “Soube a palavra certa,/ exata,/ mágica,/
poderosa,/ abridora./ Guardei-a com todo zelo:/ fiz o melhor que
pude,/ para esquecê-la,/ completamente” (Boca cerrada).
Então Valdir Rocha é
isso; um insone que se põe “aceso no meio da noite” e não
dorme porque não quer. Lapida a palavra rude, e não tem medo de
afirmar que “ninguém respira e instala a aliança dos contrários”. O
notívago percebe que “na noite escura e alta,/ enxerga-se
melhor/ o que não é de ser olhado”.
O Prisioneiro do
espelho é um dos momentos sublimes do poeta que não se aceita
fantoche dos fios por vezes emaranhados das circunstâncias. Não vale
transcrever aqui o poema. O leitor terá que saborear os versos com o
impacto da primeira miragem no espelho cristalino das neo-emoções. E
de preferência, ainda sob a respiração presa do verso
recém-deleitado, recomenda-se a leitura imediata de Resignado.
No final – a lamentar
que toda viagem chega ao fim, até a surreal no mundo aprisionador da
poesia –, o leitor poderá entender melhor o nascedoiro de tantos
versos. Marola Omartem conta a história de como a idéia do
artista se fez prenhe de lirismo.
Em paz com a versão
oficial, ainda assim meus olhos batem naquele que talvez seja o
escrito-germe dessa cachoeira de emoções. Refiro-me a Tradutor,
que desnuda a alma desse magnífico melhorador de vinhos e fatos,
aguçando os sabores da moderação com o devido exagero. Ele diz que coisa o nada, e tira para acrescentar. Só aí
entendemos que, imantados de forma despercebida pelos seus versos,
nos tornamos os títeres de alguém chamado Valdir.