Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Somos todos poetas
 


Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.
 

 

In: A poesia em pânico. Rio de Janeiro, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938.

 

 

 

Wilson Martins

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Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

A tentação
 


Diante do crucifixo
Eu paro pálido tremendo
“ Já que és o verdadeiro filho de Deus
Desprega a humanidade desta cruz”.

 

In: Poesia liberdade. Rio de Janeiro, Agir, 1947.

 

 

 

Gerardo Mello Mourão

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Vermeer de delft
 


É a manhã no copo:
Tempo de decifrar o mapa
Com seus amarelos e azuis,
De abrir as cortinas - o sol frio nasce
Nos ladrilhos silenciosos -,
De ler uma carta perturbadora
Que veio pela galera da China:
Até que a lição do cravo
Através dos seus cristais
Restitui a inocência.

 

In: Poesia liberdade. Rio de Janeiro, Agir, 1947.

 

 

 

Roberto Pompeu de Toledo

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Alexander Ivanov. Priam Asking Achilles to Return Hector's Body

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Maja Desnuda

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

As lavadeiras
 


As lavadeiras no tanque noturno
Não responderam ao canto da sibila.
 


“Lavamos os mortos,
Lavamos o tabuleiro das idéias antigas
E os balaústres para repouso do mar...
Nele encontramos restos de galeras,
Quem nos desviará do nosso canto obscuro?
Nele descobrimos o augusto pudor do vento,
O balanço do corpo do pirata com argolas,
Nele promovemos a sede do povo
E excitamos a nossa própria sede...”
 


As lavadeiras no tanque branco
Lavam o espectro da guerra.
Os braços das lavadeiras
No abismo noturno
Vão e vêm.


In: Poesia liberdade. Rio de Janeiro, Agir, 1947.

 

 

 

Hélio Pólvora

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Titian, Noli me tangere

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tintoretto, Criação dos animais

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Montanhas de Ouro Preto
 

 

A Lourival Gomes Machado

 


Desdobram-se as montanhas de Ouro Preto
Na perfurada luz, em plano austero.
Montes contempladores, circunscritos,
Entre cinza e castanho, o olhar domado
 


Recolhe vosso espectro permanente.
Por igual pascentais a luz difusa
Que se reajusta ao corpo das igrejas,
E volve o pensamento à descoberta
 


De uma luta antiqüíssima com o caos,
De uma reinvenção dos elementos
Pela força de um culto ora perdido,
 


Relíquias de dureza e de doutrina,
Rude apetite dessa cousa eterna
Retida na estrutura de Ouro Preto.

 


In: Contemplação de Ouro Preto. Rio de Janeio, MEC, 1954.

 

 

 

Manoel de Barros

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Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Ao Aleijadinho
 


Pálida a lua sob o pálio avança
Das estrelas de uma perdida infância.
Fatigados caminhos refazemos
Da outrora máquina da mineração.
 


É nossa própria forma, o frio molde
Que maduros tentamos atingir,
Volvendo à laje, à pedra de olhos facetados,
Sem crispação, matéria já domada,
 


O exemplo recebendo que ofereces
Pelo martírio teu enfim transposto,
Severo, machucado e rude Aleijadinho
 


Que te encerras na tenda com tua Bíblia,
Suplicando ao Senhor – infinito e esculpido –
Que sobre ti descanse os seus divinos pés.

 

In: Contemplação de Ouro Preto. Rio de Janeio, MEC, 1954.

 

 

 

Nelly Novaes Coelho

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Ticiano, Flora

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Exergo
 


Lacerado pelas palavras-bacantes
Visíveis tácteis audíveis
Orfeu
Impede mesmo assim sua diáspora
Mantendo-lhes o nervo & a ságoma.
 


Orfeu Orftu Orfele
Orfnós Orfvós Orfeles

 

In: Convergência. São Paulo, Duas Cidades, 1970.

 

 

 

albano Martins

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Ticiano, O amor sagrafo e o profano, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Murilograma para Mallarmé
 


No oblíquo exílio que te aplaca
Manténs o báculo da palavra
 


Signo especioso do Livro
Inabolível teu & da tribo
 


A qual designas, idêntica
Vitoriosamente à semântica
 


Os dados lançando súbito
Já tu indígete em decúbito
 


Na incólume glória te assume
MALLARMÉ sibilino nome

 

In: Convergência. São Paulo, Duas Cidades, 1970.

 

 

 

Elizabeth Marinheiro

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Pipelighter