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Vito César Fontana


 

Feridas


São como feridas, teus filhos
Se atrelam a ti como primatas básicos
te repuxam a pele, te deixam marcas
te chicoteiam e se danam, ai...
pelo mundo afora.
Ficaste só, com tuas feridas e memórias.
O espelho, te vigiando da parede,
encontra teu rosto transmutado...
decênios...

São como feridas, os teus filhos
E te sentes aliviado ao vê-los felizes,
como novos produtos de si mesmo,
rebentos cinéticos, assuntos diversos,
com suas mulheres
e suas vidas bem definidas...

São teus apêndices ainda, prolongamentos
negativos revelados, mostrados ao mundo
e te contentam... e te deprimem...
no exercício de sê-lo...

E tua idade pesa, nessa lei,
E o teu silêncio grita,
quisera voltar atrás e alem,
passar por tudo isso,
sem querer sofrer, talvez,
a dor de um novo risco...

E ser alguma coisa a mais,
além de uma lembrança,
E o teu sorriso escolhe, ali/alem
o que e mais bonito
e tudo que fizera por alguém
pelo teu próprio espírito

E nesse despertar,
assim como ele e dito,
encontras o amor,
no tempo do infinito...

E se assim não for,
o que será
do que te espera?
E se não houver perdão
ou algo mais
para ser dito?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

Vito César Fontana


 

Bom dia, Adelina
(Adelina é uma paciente psiquiátrica histórica, clássica)


Bom dia, Adelina.
Ah, como não sei aquilo que pretendo!
E se pudesses ver a mim,
que passo com meus conceitos,
por tuas manhãs de pinturas e silêncio,
no teu amar de amor doente?
(eu, que também silencio diante da grandeza)
O que te fez o inconsciente?
Qual razão absoluta te faz mergulho?

Porque enunciar-se,
no lampejo da tua juventude,
o escuro conflito que brinca de estar em ti,
e de te causar danos ao corpo,
quando a tua ira irrompe,
noite adentro,
sobre os objetos?

Que mal estrangula o gato da tua tela?
Sendo apenas pano e tinta,
Sendo apenas o mundo inteiro,
de mentiras e promessas,
sendo apenas gato,
mesmo sendo instrumento?

Eu te cumprimento.
Sobre os meus livros e teoremas,
passo e te cumprimento.
Porque ser tão acadêmico, o sentimento,
quando passo e te cumprimento?

Eu, nudez em alma e ciências contraditórias,
ainda que ver o quê,
do imponderável concreto!

Eu, por ser alguém,
porque não te abro e te desperto?

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Yeda

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Rodrigo Garcia Lopes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

 

 

 

 

Vito César Fontana


 

Poema para Adelina


Adelina,
Os alquimistas estão sempre no corredor.
E te vigiam.
Mas eles não sabem que a tua harmonia inteira,
saberá por onde andou...

Não!...
Ao recesso da alegria!

Segue o teu roteiro,
pega a tua guia,
ninguém desconfia, Adelina
da extrema lucidez que te agonia...

No alto céu de azul, entre as estrelas,
um astronauta te advinha,
e ri do mundo inteiro,
com o seu olhar de vidro.
(irá refletir o lado escuro, Adelina
e torná-lo claro dia!)

Vai, Adelina...
Sobrevive...
A tua história, mesmo que maldita
te perdoa...
Vai e anda contra o vento,
e solta teus cabelos...
Voa, Adelina,
Derrama um beijo no infinito.
(os alquimistas ainda estão no corredor.)


 

 

 

Hélio Rola

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Gizelda Morais

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

Vito César Fontana


 

Mulher


Corte de faca.
Olhar de raio.
Palavra de Leão.
Boca.
Boca.
Boca.
Boca entreaberta.
Boca no sexo.
Boca na boca.
Velocidade.
Non sense lógico.
Virtude.
Virtude plena.
Fêmea multifágica.
Fêmea medrosa.
Fêmea fêmea.
Coragem.
Dor de cabeça.
Canção já composta.
Cheiro de bosta de vaca no campo.
(respiro pleno)
Raiva do mundo.
Raiva da raiva.
Mundo do mundo.
Textura exata.
Insegurança.
Cio.
Coisa que castra.
Meu pau macio.
Ruído do silêncio.
Multicor: vestes e véus.
Alumbramento.
Burrice exata.
Incompetência.
Desafio intelectual.
Provação no limiar da juventude.
Imponderabilidade de gênios.
Incerteza do futuro...
Deliciosa incerteza...
Fera ferida.
Pedra no sapato.
Verbo mais que perfeito.
Adormecer cedo.
Decisão.
Indecisão.
Alta pressão.
Caldeira do diabo.
Fascinação...
... e porque não?

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Sebastião Uchoa Leite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

 

Vito César Fontana


 

Vertigem


Aparta-te de mim.
Foge... vai...,
resvala entre sombras de conflitos...
os mais banais,
reinventa outra ira noutra paragem,
refresca... vai-te de mim... vai...
Pensa que te pertenço
e o não há nisso.
Não te pertenço...
também não pertences a mim...
mas julgas que há vitória no conflito.
Não, não há vitória.
Há apenas a vertigem,
o calabouço raso da paixão desavisada.
Acorda de mim, amanhece...
Desinventa-me do teu sonho,
Quero o verde da palavra nova,
a juventude dos risos,
Vai-te de mim,
porque te amo,
e o amor dói em mim,
como tudo que é real...
Mas como haverá amor sobrevivente,
se o amor, aqui, enlouqueceu
como uma hemorragia?

 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Clotilde Tavares

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

Vito César Fontana


 

Um Minuto


Que o tempo, quiescência do todo
guarde um minuto para mim...
apenas mais um minuto.
Preciso do respiro fundo,
de ainda ser eu mesmo,
por mais um minuto.

A velocidade das coisas,
O ruído alucinante das máquinas,
O grito sem estética,
dos diálogos sem encontro,
certamente me farão outro,
depois desse minuto.

Só um,
para acertar contas pendentes,
e amar humanidades,
para lembrar a voz dos amigos,
e ter saudades,
da mera possibilidade,
de haver algum futuro.

 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

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Antonio Mariano de Lima

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Vito César Fontana


 

Abraço


Abracei.
Abracei um rio inteiro, manso,
tinto de silêncio e árvores
e nesse abraço tênue,
romântico,
o céu azul de estrelas matutinas,
repuxou o infinito...
(como um pano,
que tirado à mesa, lento,
repuxa objetos esquecidos,
no átimo do gesto)

Abracei o rio e o seu silêncio de arvoredo,
para colher a coisa fresca e úmida,
que mostra a vida,
guardada em seu seio.

É um encontro fácil, esse
o Homem e o Rio,
o silêncio e as estrelas,
o olhar fechado de mundo,
a paz vestida de leito
e a terra,
prenhe de cio,
parindo seus filhos....

 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

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Andréa Santos