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Henriques do Cerro Azul


 

Dualismo


Que eu não te adore como o libertino
Que esvaziando o cálice espumante,
No ardor da bacanal e do cassino,
Se entrega aos braços da lasciva amante...


Mas te venere o mármore divino
Que tens no corpo; esse sorrir brilhante
Que me encandeia e doura o meu destino
Com o mesmo resplendor do céu distante!


Ah! quantas vezes, numa angústia louca,
Com inveja do vento que te beija,
Tenho vontade de beijar-te a boca!


Mas não sejas por isto tão severa:
Perdoa o excesso de quem te deseja
Pela firmeza de quem te venera!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

Henriques do Cerro Azul


 

Amor humano


Amo, querida, o gesto soberano
De tua mão: ao vê-lo me domino;
Sacrifico meu ímpeto vesano
Ao mando do teu lábio purpurino.


És uma santa: a mim, que sou profano,
Vens encher de alegria o meu destino:
Mas busquemos na terra o amor humano
Enchendo os corações do amor divino!


O amor, querida, é esse letal veneno
Que embebe os corações e enche os espaços,
Convidativo, singular, sereno...


A moral e o pudor velam-te os passos:
Mas não posso entender o amor terreno
Sem beijos, sem carinhos, sem abraços...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

Henriques do Cerro Azul


 

É assim que eu amo...


Se amar e ter o pensamento e a vida
Voltados para um ser unicamente;
Se é ter em convulsões a alma acendida
Num doce anseio e num desejo ardente;


Se é dar sem receber; se é ter em mente
Por toda a longa estrada percorrida,
Alguém, talvez, que nem sequer pressente
Nossa amarga afeição desconhecida...


Se é chorar, se é sofrer sem ter tormento;
Se é sorrir, se é gozar sem ter motivo;
Beijar as flores, abraçar o vento,


E as aves escutar de ramo em ramo: -
Amada, eu te direi que é assim que vivo...
Mas, se não for amor, é assim que eu amo!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

Henriques do Cerro Azul


 

Feliz!


Não foi em vão a minha caminhada!
Hoje te tenho, carinhosa e pura,
A transformar em alegria cada
Parcela desta vida de amargura!


A transformar as sirtes da jornada
Em sorrisos de amor e de ventura;
A transformar em raios de alvorada,
Em explosões de sol, a noite escura!


Deixem-me pois gritar por entre a gente:
"Sou feliz! Sou feliz! lutando contra
O destino, glorioso vencerei;


Sou de todos os homens diferente:
Se sempre o que se quer nunca se encontra,
Eu, ditoso e feliz, já te encontrei! "

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

 

Henriques do Cerro Azul


 

Rios


É esta a glória com que mais me exalço!
Do teu afeto ao jugo prisioneiro,
Vejo enfim que ele é firme e verdadeiro
Em meio a tanto sentimento falso!


Se estou longe de ti, no cativeiro
Da saudade, sorrindo, em sonhos alço
Meu ser em busca de teu ser, no encalço
De ver teu vulto alegre e alvissareiro...


Vês estes rios, no aluvião que espargem,
Como se juntam, trêmulos, sombrios,
Ruindo barrancos e alargando a margem!


E o amor que vem de ti, que vai de mim,
São dois imensos, dois profundos rios
Que assim convergem para o mesmo fim!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Picador

 

Henriques do Cerro Azul


 

Felicidade


Felicidade é uma ilusão (eu disse),
É uma vaga ambição, uma tolice,
Sonho que envolve o coração em festa,
Mas não há nesta vida atra e funesta!


E passei pelo mundo sem que a visse,
Pensei assim que ela não existisse;
Quando a vejo em teu riso manifesta,
Doce, serena, verdadeira, honesta!


E sei que existes tu, na realidade,
Pois hoje vens doirar-me o meu destino
Num sorriso melífluo e rosicler...


Já descria de ti, Felicidade,
E já não te esperava, Ente Divino,
Quando surgiste em forma de mulher !

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

Henriques do Cerro Azul


 

O tempo


"O Tempo é um rio, horríssona corrente
Que afoga o sentimento mais perfeito:
Leva a ilusão que nos povoa a mente
E mata o amor que nos ilude o peito!”


Dizem alguns... Eu penso diferente:
Se o Tempo corre mais, com mais respeito
Osculo nos meus pulsos a corrente
E cativo te sigo satisfeito.


Digam outros que o Tempo é esse riacho
Que afoga o próprio amor e do desejo
Vai pouco e pouco sufocando o facho!...


Eu, não! que corra o Tempo em lesto adejo,
Que mais virtudes na tua alma eu acho!
Que mais encantos no teu corpo eu vejo!

 

 

 

 

 

 

11.08.2005