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Leônidas Arruda 

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Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia :


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Alguma notícia do autor:

 

Leônidas Arruda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, Pietá

 

Um cronômetro para piscinas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

Leônidas Arruda


 

Biografia

 

LEÔNIDAS ARRUDA nasceu no seringal Porto Alegre, município de Codajás-AM, no dia 23/02/1942. Filho dos seringueiros Pedro Américo da Costa e Ernestina Arruda da Costa. Iniciou seus estudos na cidade de Codajás-AM e publicou seus primeiros poemas no Jornal do Comércio, de Manaus-AM.

Reside em Goiânia-GO desde 1972 e publicou vários poemas no Jornal O POPULAR desta cidade. Em 1975 recebeu menção honrosa no concurso nacional de poesia promovido pela Academia de Letras de Ribeirão Preto-SP.

Em 1980 formou-se Bacharel em ciências jurídicas pela Universidade Católica de Goiás – UCG – e desde então exerce a profissão de advogado. Atualmente é procurador do Patrimônio Imobiliário do Município de Goiânia-GO. Foi casado e tem dois filhos: Romero Oliveira Arruda e Fabrício Oliveira Arruda.

Em 2003 com o trabalho “Procissão dos Afogados”, venceu o concurso de poesia “Bolsa de Publicação Cora Coralina”, categoria autor inédito, promovido pela Agência Goiana de Cultura e Instituto Goiano do Livro. O trabalho deverá ser lançado no corrente ano.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

Leônidas Arruda



ABC do Poema


I

No reino dos objetos
e dos animais
tudo serve para poesia.
(Diz Manoel de Barros.)

Couro de mosquito
cinza de cigarra
servem para poesia.

Mosca-morta
barata tonta
pé-de-galinha
bico-de-papagaio
lêndea
de piolho-de-cobra
pavio de mulher acesa
servem para poesia.

Cascalho
cabeça de alho
galhos & bugalhos
carta de baralho
homem de palavra
mulher de letra
tetas da mãe pátria
cara-de-pau
boca-de-lobo banguela
tanajura
de bunda para lua
servem para poesia.

Tudo serve
para reza de poeta.
Para achincalhar
governo
e de carapuça
para pousar na cabeça
de bicho letrado.


II

No reino das palavras
é diferente.
Medidas e pesadas
nem todas as palavras
servem para poesia.

Algumas
por contaminação
de letra-morta
e outras
por cantarem
à moda de grilo
ou só abrirem a boca
para dizer goteiras.

Outras
por serem
formigas desmamadas
- terem calo na língua -
ou serem de baixo (es)calão.

Outras
por estarem presas
em cós de calça
e rabo-de-saia
ou viverem chorando
como botão fora de casa.

Palavra apta para poesia
tem dentes-de-leite
e tira cárie dos dentes de alho.
Baba feito babosa-brava
e faz faxina
na boca que lhe cuspiu.


III

Vogal sozinha
não cheira nem fede.
(Des)dobradas na sílaba
são lágrimas
(desen)roladas.
Caruncham o poema.

As vogais são bichinhos
de sete cabeças
e pés descalços.
As consoantes
são minhocas de salto alto
óculos de sol
e cabeça-feita.

Poema não convive
com supérfluos.
É intrigante
como o pingo do “i”.
Ninguém prova
a serventia do poema
e do pingo na letra.

Tribute-se
um grão de arroz
por cada pingo do “i”
e a humanidade viverá
sem nenhum
pingo de fome.


IV

O pingo do “i”
empobrece o sinal
assusta o símbolo
morde a língua.
Gasta tempo e tinta à toa.
É poluição visual.
Rouba a visão do mundo.
É rabisco do nada
sem pé e sem cabeça.

É bicho-de-pé
no calcanhar de Aquiles.
Vírus de computador
ou cocô de anjo?

O poeta (ou)viu estrelas
ou o pingo do “i” nu ?

O pingo é universal.
Nunca poderia ser do “i”.
O poema carrega
o dilema
de ser ou não ser
universal.
Por ser o “i” sem pingo
e pingo decidido
a não ser
titica de gota-serena
na cabeça da letra.


V

Letra e poema
não necessitam
de pingo com pigarro.
Não dependem
de pingo de vela
resfriado.
Não precisam
de pingo de tinta
e de nenhum pingo
de pena.

A grafia banaliza
o pingo
e a gramática sacrifica
o poema.

Resta ao poeta
fazer sopa
de letras & palavras.
- Vogais na medida
e consoantes à gosto.

Depois tomar o poema
no canudinho
e a língua
da menina-dos-olhos
beber em conta-gotas.
 

   

 

A menina afegã, de Steve McCurry

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Ascendino Leite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

Leônidas Arruda


 

Homenagem ao escritor e poeta Soares Feitosa


I

Recebi “Estudos & Catálogos – Mãos”.
Li tudo de cabo a rabo sem tomar fôlego.
Vi a manhã montada no lombo do burro.
Ou-
vi o aboio da tarde?

Vi o poeta costurando o couro do tempo
com agulha de ponta rombuda.
Remendando a vida
como quem remenda camisa rasgada.
Transformando a morte de cada dia
em vinho do Porto.

Matei e arre!matei a sede
bebendo literatura na coité.
Senti o cheiro da terra nua.
O fortum do esterco e da urina
nas unhas encravadas do pé-de-garrafa.

Voei nas asas da palavra solta
da língua-de-sogra.
Montei no dorso do verbo selvagem.
Galopei no pêlo
do número primo dos animais.


II

SO-
ares feito-
SA
derrubando muros farpados
e cercas cabeludas.
Abrindo porteiras e portas
para retirantes apressados.
Escancarando janelas
para os campos da vida
onde alviverde floresce
o pendão da esperança
quase morta de tanto tremular
no peito pontudo do mastro varonil.

Vi crianças morrendo de fome
na esperança de serem salvas
pelo pão do céu .
Vi bichos andando com pés de roseira.
Pássaros aprendendo a voar
com jangadas cearenses.
Mulheres com cabelo de milho verde.
Homens deixando rastros de pés-de-chumbo.


III

Deitei na rede de embalar sonhos
e sonhei com páginas viradas
pela contramão do tempo
- todas com brasão oficial -
- marca-d’água e fé pública -
e as impressões digitais dos dedos de Deus.

Vi gênesis acontecendo na palma da mão
e nas linhas da palavra (a)feto.
Vi o embrião de Deus pulando corda
no cordão umbilical do universo.

Li a caligrafia dos vegetais ao pé da letra.
Ouvi o galo cantar na garganta dos “gg”.
Vi a seca fugindo nas pernas dos “ss”.
As cabras berrando com todos os “rr”.
A chuva caindo nos pingos dos “is”.


IV

Agora vamos tomar uma cachaça com limão
e tirar gosto com farofa de bunda de tanajura.


Para-
béns de todos
e a felicidade geral da nação

FICA
para (en)cantar o Brasil do avesso.
 

   

 

Culpa

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Cussy de Almeida

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Maja Desnuda

Leônidas Arruda



Homenagem ao poeta chileno Pablo Neruda


I

Pablo
ferrugem do dia.
Orvalho
nos canteiros da insônia.
Lodo da noite.
Sal-mão da manhã.

Barco sem quilha.
Porto sem seguro.
Tocha em veredas assassinas.

Pablo
com a cordilheira dos Andes
nas costas
e o oceano Pacífico
a tiracolo.

Acendedor de fogueiras.
Pavio da lenha.
Eco de asas anônimas.
Semente de vôo
sonhado na casca do ovo.


II

Pablo
coração faiscando
em cada batida.
Alma entupida
de farinha de versos.
Mãos de apertar (ir)mãos.
Braços de abraçar multidão.
Pés de fazer rastros nos caminhos
- rapapé para o povo -
e finca-pé para general.

Porta-bandeira
de cantos pernaltas
desfraldados na alma vermelha.

Voz do carvão e da graxa.
Música da lágrima (der)ramada.
Companheiro e irmão
dos que trazem nas mãos
somente
gotas-d'água e bolhas acesas.

Pablo
indo e vindo pelo caminho de Santiago.
Sem medo e sem pecado
na proa da vida.
Poesia da chuva
caindo em casca(lho) de luar.


III

Pablo
fichado como comunista
na rosa-dos-rumos
e inscrito poeta
em todas as pedras.
Trampolim de montanhas.
Mergulho do oceano em gota-d'água.
Céu (car)regado de estrelas.

Homem de letra
cara a cara
com homens de medalha.
Enfrentando as metralhadoras
e fuzis das ditaduras
somente com metáforas
de unhas e dentes.

Monumento de espuma.
Estátua de maresia.
Pêndulo do tempo.
Torre de gaivotas.
Chaminé da esperança.
Usina de poesia.

Plabo mILHA NEGRA.
Neruda :
página do oceano
virada por uma mão de tinta.
 

   

 

Um cronômetro para piscinas

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Junot Silveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

Leônidas Arruda


 

MENINA-DOS-OLHOS

 

Para não dizerem que não falei disso e daquilo.



Com essa menina aprendi não envelhecer tão cedo.
A não ficar de cócoras nas esquinas
vendo o tempo passar na garupa das formigas.
A não ficar esperando um (p)rato chinês
ou (m)olho de preguiça.

Todo dia ela vem sorrindo e me (r)acha no lodo.
Lava minha alma com a chuva de seus olhos
- esfrega no meu ouvido sua voz de sabonete .
Manda eu tomar sol
em vez de tomar Biotônico Fontoura.

Veste-me com seu cheiro
e me perfuma com o antivírus da sua graça.
Tira os sapatos e me chama para cama.
Retira a roupa
e me cobre com sua alma de algodão.
( Ela gosta de vir por cima
como quem chega na crista das nuvens.)

Reza um rosário nas pontas dos meus dedos.
Respondo com uma “Salve-Raínha”
no pé do seu ouvido.
Exibe os seios e põe o céu em minhas mãos
e o bico do céu em minha boca.

Passa cuspe nas minhas fechaduras e tramelas.
Afasta a cinza dos meus joelhos.
Assopra as brasas dos meus pêlos.
Atiça o fogo do meu umbigo.
Lambe meu couro cru
e desata meu nó vital com os dentes.

Abre meus complexos e cospe na cara deles.
Enche meu peito de baba de anjo.
Encobre meu rosto com beijo-de-moça
e retalhos de língua.

Vira e re-vira meu ego.
Esquarteja meus 5 sentidos
e pendura nas barbas de Galileu Galilei.
Na fogueira gritamos “que gira gira ”.

Mastiga meus nervos pontuais.
Parte e re-parte meu eu de banda.
Bebe-me de pé e de lado.
Joga as pernas para o céu.
Flutua de quatro e sussurra como estrela.
Geme e soluça como anjo abandonado.
Engole todo meu fôlego e morde até meus tutanos.

(Des)vira-me do avesso.
Ensaboa-me com seu suor de cacau e gosma benta.
Depois enxágua - espreme minhalma -
e põe para enxugar no sol lascado da lembrança.