Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

Marta Gonçalves


 

Sutilezas


Brinco com seus lábios
já ausentes de meus olhos.
Imagino o relógio de sol
marcando peles brancas.
           Lembranças envolvem sutilezas
                     que suas mãos ofereciam.
Doçuras carregam água de geleiras
         e em cada verso que te oferto vejo
                   minha morte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Marta Gonçalves


 

Somos poucos no mar


Estamos apanhando mariscos nas pedras
água verde vai e vem jogando espuma.
         Gaivotas voam, bicam peixes.


Somos poucos, quase nada na imensidão
                    humana.


Nossos corpos vestem roupas diferentes.
         Enfeitamos os pêlos e músculos.
O choro sai das unhas


mas temos asas para fugir dos abismos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Marta Gonçalves


 

Escurecer o quarto


Quero fechar as janelas, estancar o vento,
esconder o sol em anéis de nuvens cinza
          escurecer paredes onde mora o corpo.
                    Anoitecer a respiração dos móveis
guardar os relógios no mar.


          - Meu espírito precisa de silêncio -

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Marta Gonçalves


 

Essência


Vejo nascer a petúnia.
Sinto as cores sutis
do vegetal dotando meus olhos
          de mudanças.
Ele me ensina a essência da vida
          a abstração do corpo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

Marta Gonçalves


 

O vento no rosto


Descalços, andávamos no campo,
molhávamos os pés na relva verde.
          Íamos atrás do vento.
Sentávamos, todas as tardes, no alpendre,
          a olhar os passarinhos
apanhando migalhas.


          - Esperando encontrar o que nos resta
                   do corpo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

Marta Gonçalves


 

Meninas de tamancos


Cirandas jogando tempo
         em calçadas antigas
Meninas de tamancos
         rodando pião
Alecrim crescendo na janela
         O estafeta visitando
                  velhas casas
Maria das Dores fugindo no sol


         O barulho da memória acorda a alma.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

Marta Gonçalves


 

Água da chuva


Muitos homens rastejam como a serpente


        envenenam a água da chuva


esquecem que existe um rosto no cosmo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

Marta Gonçalves


 

Noite


Tenho nos olhos suas mãos


olhando açucenas na jarra.


         O tempo vai multiplicar a noite.

 

 

 

 

 

21.07.2005