ROMANCE LIMEIRIANO DA RIBEIRA DO RIO DAS ONÇAS
Homenagem a
Orlando Tejo por ocasião do lançamento de
Zé Limeira – Poeta do Absurdo, em 3 de
janeiro de 1998, em Limoeiro do Norte, Ceará.
Quando a última
onça suçuarana
esturrou por aqui
no sec’lo três
cada índio virou
um japonês
que fundou um
Japão na Ingarana
e viviam de arroz,
de fumo e cana,
e a comer macarrão
e macaxeira;
a quentura era
tanta que a fogueira
se acendia com o
cheiro do mormaço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Quando a Itália
perdeu pra nós a copa
nós ganhamos
metade de Veneza
foi assim que
viramos a princesa
deste vale sem
armas e sem tropa.
Assim sendo, nos
veio da Europa
João Bracim,
gondoleiro de primeira,
e o segredo do pão
pelos Nogueira
e a buchada de
Adélia (igual não acho).
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
O papoco estourou
no mei’ do mundo
e Corisco, Dadá e
Lampião
se arrancharam no
Cor’go do Feijão
numa tarde de
abril em São Raimundo.
Foi o tiro mais
raso e mais profundo,
bacamarte,
garroncha ou socadeira;
só Zé Maia é que
tem a verdadeira
arma velha que
alçou tal estilhaço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Leonardo da Vinci
e Isaac Newton
deram cursos de
invento e de pintura
pelas eras do
quinze, de fartura,
bem em frente à
cantina de Seu Nilton;
ensinaram Zé Mende’
a fazer filtro,
Mestre Sombra a
esculpir pedra e madeira,
Seu Chiquim a
mexer com geladeira,
Valdivino a soldar
papel e aço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
No trigésimo
quinto carnaval
Thomas Edson ficou
no Hotel Maia,
jogou pife,
caipira e pegou braia
e aprendeu tudo em
rádio com Vidal.
De relógio estudou
com Parsifal,
na Coluna da Hora
fez zoeira,
desposou no
mercado a cafezeira
que servia café
para o cangaço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
De Roma saiu
Cícero a viajar
sem destino,
calado, liso e só,
aportou no camin’
de Mossoró
sob as asas de um
misto a navegar.
Veio aqui uma
escola inaugurar,
expandiu o latim
nesta ribeira,
ensinou oratória a
Pitombeira
que até hoje inda
segue o mesmo traço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Eram quatro da
tarde, ou eram cinco,
de um começo de
junho ou de setembro,
do algarismo do
dia eu nem me lembro,
sei que em Dallas
morria o velho Lincoln.
E dizia Zé Jairo:
“Agora o zinco
do foguete de
flandre’ e de madeira
se levanta veloz e
faz poeira
de Pedro
Fogueteiro para o espaço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Vinham Madre
Teresa e Chico Tufa,
que seu táxi era
bom e tinha áudio,
mas pifou no
Triang’lo de João Cláudio,
tão cansado que o
carro disse “Ufa...”.
Ladainha, que o
tempo não malufa,
esperava sentada
pela freira,
que aqui vinha
comprar feijão na feira
pra levar para a
Índia, que era escasso.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Quando Homero
escrevia a Odisséia,
numa viagem que
fez para o Sapé,
se travou no
repente com José,
o Amâncio,
inventor da epopéia.
Apanhou que saiu
com diarréia
e daí resultou sua
cegueira,
concluiu sua
estrofe derradeira
com Amâncio
puxando pelo braço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Foi no tempo em
que não havia mapas,
e se houvesse a
cidade era maldita.
Seu Afonso
ensinava a Carne Frita
e a Rui do Chapéu,
enfim aos papas
da sinuca o
mistério das caçapas
e o silêncio
infinito das taqueiras;
no bilhar
encantava a jogadeira
e matava Fantoche
no cansaço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Quando aqui se
escondeu, temendo a raia
do fuzil que
enfrentou em Mossoró,
Lampião quis comer
um mocotó,
uma torta e um
caldo em Tito Maia.
Tinha lá na gaiola
uma jandaia
que ele achara há
três séculos na beira
do Riacho do
Sangue, e a atiradeira
Lampião quis
sacar, mas não foi macho.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Num mergulho que
deu no oceano,
não se sabe em
qual deles se passou,
deu de cara Jean
Jacques Cousteau
com a cara sem
masc’ra de Zé Mano.
Abismado, pensou
que fosse engano
ou um sonho
provindo da canseira.
Quando viu a
imagem na viseira
jogou fora sua
régua e seu compasso.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Quando foi
construir a torre Eiffel,
Bonaparte, que
tinha muito verme,
contratou o
arquiteto Zé Guilherme,
projetista da
torre de Babel.
Rabiscou num
pedaço de papel,
deu-lhe forma e
feição de baladeira,
viu Paris lá de
cima, beira a beira,
passeou pelo
Louvre, passo a passo.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Quando Santos
Dumont cruzou o céu
e Antõe Preto
inventou o cabeçote,
Cacheado ensinava
a Pavarotti,
que era primo de
Preto Maciel,
e aprendeu o
Bolero de Ravel
com Sofia Cambão,
velha rameira
lá em Chico Dedé,
carnaubeira,
carnaubal,
Carnaubinha, carnaubaço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Todo couro que
rola num gramado,
vou dizer e
confesso que não minto,
foi um dia refeito
por Felinto,
ponto a ponto por
ele desenhado.
Veio a Adidas
saber do seu traçado,
pra fazer
propaganda de chuteira,
mas estava Felinto
na banheira
sem apito, sem
bola, sem cadarço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Executivos de São
Paulo ou Rio,
Nova Iorque, Paris
e Amsterdã,
nesses ternos de
Yves Saint Laurent
Givanchy, Hugo
Boss ou Clodovil,
nem de longe
imitais o que se viu
nos recortes de
Lírio – a verdadeira
modelagem da grife
brasileira,
Nelso’ Forte ou
João Sales no compasso.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Certa vez foi até
Jerusalém
nosso bom
centenário Seu Cazuza,
que ali foi
visitar o véi Matusa,
mais conhecido por
Matusalém.
E lhe disse: “Você
tem mais de cem,
mas inveja não
faz, isso é besteira:
vivi mais, porque
eu cresci à beira
de um Jordão ora
seco, ora escasso...”
Eu querendo cantar
eu também faço
de repente
igualzinho a Zé limeira.
Uma pesquisa atual
na internet
pra saber o maior
no futebol,
publicada nas
páginas da uol,
para o mundo
causou grande manchete.
Em São Paulo,
Paris e Budapeste,
só deu Zé Limoeiro
de primeira,
desbancando no
bico da chuteira
Maradona e Pelé,
em um só passo.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Foi no tempo do
Império Bizantino,
sob a luz do farol
de Alexandria:
seus compêndios
Heródoto escrevia
com a ajuda do
Velho Pergentino.
Sem as aulas do
mestre nordestino,
não seria a
História verdadeira:
se calaria a
humanidade inteira...
não havia Canudos
nem cangaço.
Eu querendo cantar
eu também faço
de repente
igualzinho a Zé limeira.
Veio o Circo
Garcia à nossa casa
com o elenco
debaixo de uma tolda
procurando Dedé de
Tia Polda
só pra ver se ele
“centralisarava”.
Mal chegaram já
viram Mestre Crasa
discursando
empolgado em plena feira,
Zé de Nega
plantando bananeira
e Dengoso, o maior
- velho palhaço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Navegantes de
mundos – do universo,
visitantes das
margens deste rio,
nos deixaram
legados, desafios
contados até hoje
em prosa e verso.
É o lado contrário
do reverso
que ensinou a Zé
Barro a brincadeira
de fazer
cataventos de madeira...
Dona Rola a curar
todo embaraço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Numa feira que
houve em Jericó,
nos tempos do
cigano Josué,
tinha grude,
buchada, busca-pé
e bonecos de barro
e água em pó.
Vitalino bradava:
“Sou maior
do que todos os
mestres desta feira.
Rodan...
Michelangelo faz besteira...
Zé Pequeno... pra
esse eu baixo o facho.”
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Num xaveco a
vapor, uma geringonça,
Giotto, Rafael e
Aleijadinho
vieram a Limoeiro
e no caminho
viram de tudo:
guaxinim e onça.
O seu mestre
maior, Márcio Mendonça,
esperava os
alunos, na Faceira,
que aqui vinham
aprender, sem brincadeira,
a pintar e a
esculpir anjos no espaço.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.
Numa tarde de sol
e esquecimentos
de um janeiro inda
em flor, pomposo e régio,
Majela trouxe a
nós Orlando Tejo,
Dom Quixote a
lutar com os cataventos.
No cachimbo ardiam
pensamentos
e nos olhos a
pedra mais certeira,
cada ruga era um
cor’go, uma ribeira
onde um rio
sangrava um mês de março.
Eu querendo
cantar, eu também faço
de repente
igualzinho a Zé Limeira.