Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Roberto Gobatto


 

Cinco minutos


Pessoas turvas
a direita um deus com cabeça de elefante;
escada turva
corredor estreito
quartos ocupados
paredes pichadas
espelhos quebrados
a direita um deus com cabeça de elefante
a dose desce amarga
na estante
poetas cheios de pó
velas acesas sobre o chão
a direita um deus com cabeça de elefante
moedas
incenso no ar
tapetes decorados
sorrisos e rostos em convulsão
ninguém vai além de si mesmo
gotas carmim
sono turvo
a picada certa
diante desse deus a hipnotizar
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Picador

Roberto Gobatto



Clorofilisdaytown


Eu estou crescendo
eu sou uma planta
eu sou um homem
eu sou o Homem-planta;

No plano, no planeta
nas danças uniformes
- extradimensional e psíquico -
não ter para onde fugir
a pátria é o solo das Ervas-daninhas.

porque sou planta?
porque sou homem?
Não se explica, nada
apenas sente, coração
e bate! pulsa nos pés
na planta da mão
na palma do chão!
sou o ser, serei
nenhuma razão me diz não.

eu sou o Homem-planta
minha raiz expande
o solo geme,
exótico
urra!

- me curra, me curra, me curra!
enterro-me no teu centro
em minha forma viril
passeio por teus anéis
seu poder infinito e cósmico
cravo-me no teu centro
tua carne rósea e salgada
desmancho-me...
e me aperta! agarra, segura
abre - fecha - me engole!
indo e voltando, rebolo
- brinco & mexo e roço & rasgo -
deslizo, gozo pólen.

- ABRACADABRA! -

Expeli vida,
não ao ponto de fuga preso na fotossintese da Alma-vegetal eu grito NÃO!

gás carbônico, intravenosa
não há indisciplina maior
do que ser o poderoso vegetal
rebeldia no solo malhado.

eu sou o Homem-planta
eu estou crescendo
eu sou uma planta
eu sou um homem.
 

   

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), girl

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Adriano Espinola

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

Roberto Gobatto


 

Conta-gotas


Ligo o rádio, enfureço

- desligo -

Cansei de más notícias de meu país-de-ausëncias sobre escombros. Pouso meu cansaço na cidade solidão, desdentada Praça da Sé, de cheiro de mijo e cola. São Paulo fria aos pedaços, agarrada a desejos mas de nariz empinado, garimpa os humilhados do dia a dia.

- sei o que é isso -

No trem vai, sobe de São-Miguel até a Luz, leva marmita arroz-ovo-feijäo, seis da manhã lotação encoxado no aperto itinerário vai, vê a meninada fumando pedra pedindo passe moeda nos pontos de ônibus calçando uma vidinha besta de exclusão apagando,
murchando
indo...
nesse ralo, eu ligo o rádio, enfureço

- outros ângulos -

Quero flores! Pessoas geniais! Luzes coloridas, noites vadias, livros na estante, na geladeira, no sofá!
Grudar paredes nos poemas! Com Oswald no metrô, na escadaria Rita Lee e Adoniram, no Outdoor Paulo de Queiroz migrante em cores armando dicotomia na rebelião suscita a voar

- Precisamos voar! -

Chutar a tumba construída por desocupados preguiçosos de vida aroma-artificial-imitação-sabor-baunilha!
vida quase idêntica a vida

- e restam os vícios -

desligo
me entrego
a contragosto

- amanhece -

Armações sobre a fachada metálica reflete o sol vivo no prédio ao lado
tá na hora de subir no andaime
tá na hora de ser névoa
no conta-gotas.
 

   

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

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Sebastião Uchoa Leite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba,

Roberto Gobatto



Desejo teu amor


Cadela sarnenta,
Feita filha da puta
Requebra entre as mesas.
Vai ao balcão
Tonteia
Pelo banheiro
Retoca e retorce a narina
Encara-se no espelho
Sorri e me chama sem paixão
E volta puta
Mais puta
vem puta
olhar malcriado
Segue teu balé
Descarrega conflitos
Rouba meu cigarro
Olho-te na carne do olho
Desafio à boca confessa
Entre tuas coxas
Cigana sem rito
Pobre vaca e santa
filha da peste
engole teu álcool
espalha teu éter
desajeitado éter:
De dor cansaço solidão sordidez maldição desamparo tristeza derrota ou
Poesia suja da noite virada com tuas parcas armas
delicada
febril
Imperceptível inversão.
 

   

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

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Andréa Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

Roberto Gobatto



Distúrbios distantes


Hoje encontrei uma estrela no jardim
hoje encontrei uma aliança com meu nome nela
hoje sai sem colocar meias e tomei café preto com Gin.
hoje chorei um pouquinho antes de me barbear e recitei coisas desconexas enquanto tomava banho
hoje andei a toa por aí com uma mochila nas costas e o sol na cabeça
- Eu fingindo ser algém -
hoje falei ao telefone com pessoas que também choram ou se barbeiam
hoje voltei pra casa com mais fome do que quando saí
hoje, só hoje fiquei em silêncio sobre a cama, ouvindo o ruído do fim do mundo
hoje pensei que se estivesse morto ninguém pensaria em mim.
 

   

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive

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Alfredo Fressia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

Roberto Gobatto



Eletropoema
(à onipresente guitarra)


Invoco a descarga elétrica
Fração de energia
Do oceano amplificado
- pureza –
Corpo sem carne
Fio condutor da mortalidade
- luz –
vozes Lamaistas
O espírito de Rimbaud
Em cores de vogais
- negro, branco, rubro, azul, verde-
As cores do magic
Feitiçaria de competição
Meu mundo vibra
Em sabedoria extradimensional
- Brisa –
Pulsos luminosos
Brisa em ohn
Watts amplificados
A dor distorcida em overdrive grita
- amor/ódio -
Sobre cabeças chacoalhantes
Rostos iguais
Canhão de luz
- Contestação e denuncias –
Stratoamante
toco teu corpo
Com delicada brutalidade
dedilho teu ventre
transpiramos juntos
Da tua forma as minhas mãos
Tua madeira queima
Sangro meus dedos
Sobre tuas cordas finas
geme,
urra, pra mim
stratoverdade
grita
invocações!
Penso em Arthur enquanto trepamos
Respiro confissões doentes enquanto trepamos
Choro sobre teu dorso enquanto trepamos
Murmuro caridade enquanto trepamos
- onde o mundo é tão pequeno –
meu oceano em seus átomos
ooh! Aah! Ooh! Aah! Ooh! Aah! Ooh!
Aah! Ooh! Aah! Aah! Aahssimmm!
E quero atirar-te contra a parede
Devolver este éter
Quebrar! quebrar! Quebrar-te!
E
Louco vagabundo miserável poeta
Choramos em nossa fusão
As vozes não cessam

Mântricas idéias maravilhosas, mantrico doce mantra a chave mestra do universo.
Dos becos rios esconderijos vielas florestas dimensões percepções apartamentos
Ângulos samambaias lacunas presídios ampolas
Brasil napéia
Nicotina narceína
Tributo aos cães
-ódio/amor-
Teu som minha narcose
Débil fuga
Eu – você – Arthur – a vida!
Há vida!
Alcalóide hipnose analgésico amnésia
Sou eu ou minha mente?
Alma
-à volta ao corpo-
Sobre novas dimensões
Invoco espectros
Stratofuga
Como-te mais um pouco
 

   

 

John William Godward (British, 1861-1922),  A Classical Beauty

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Clotilde Tavares

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

Roberto Gobatto



Mushroom

 

Declino

muito tempo

Finquei raiz no limbo

, encontrei vaidade.

vaidade, a verdadeira vaidade.

Acredite, ela pode ser lâmina, e dói

Toda vaidade atrai mais vaidade...

Cruel,

Fatídica,

Grotesca,

Dilacerante,

- a perversidade total é a vaidade -
 

   

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona

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Maria da Conceição Paranhos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

Roberto Gobatto



Vós


As canções no walkman
Alucinações coletivas
Sobre colagens
Na rua clara.
Pessoas escondidas
Espremidas nos coletivos
Automóveis em comboios
Noções imateriais do câncer
Aguardamos as cotações,
O clima, o córtex
As canções no walkman
 

   

 

Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

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Ronaldo Bressane