Roberto Gobatto
Conta-gotas
Ligo o rádio, enfureço
- desligo -
Cansei de más notícias de meu país-de-ausëncias sobre escombros. Pouso
meu cansaço na cidade solidão, desdentada Praça da Sé, de cheiro de
mijo e cola. São Paulo fria aos pedaços, agarrada a desejos mas de
nariz empinado, garimpa os humilhados do dia a dia.
- sei o que é isso -
No trem vai, sobe de São-Miguel até a Luz, leva marmita
arroz-ovo-feijäo, seis da manhã lotação encoxado no aperto itinerário
vai, vê a meninada fumando pedra pedindo passe moeda nos pontos de
ônibus calçando uma vidinha besta de exclusão apagando,
murchando
indo...
nesse ralo, eu ligo o rádio, enfureço
- outros ângulos -
Quero flores! Pessoas geniais! Luzes coloridas, noites vadias, livros
na estante, na geladeira, no sofá!
Grudar paredes nos poemas! Com Oswald no metrô, na escadaria Rita Lee
e Adoniram, no Outdoor Paulo de Queiroz migrante em cores armando
dicotomia na rebelião suscita a voar
- Precisamos voar! -
Chutar a tumba construída por desocupados preguiçosos de vida
aroma-artificial-imitação-sabor-baunilha!
vida quase idêntica a vida
- e restam os vícios -
desligo
me entrego
a contragosto
- amanhece -
Armações sobre a fachada metálica reflete o sol vivo no prédio ao lado
tá na hora de subir no andaime
tá na hora de ser névoa
no conta-gotas.
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