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Habitação

— Soares Feitosa —


Nem saberia dizer onde moro exatamente.
Desconfio que habito dentro de meus dentes.
 

Doutras vezes, a penugem dos canários, 
e era ali, naquelas sedas, penugem e cor,
que eu me mudava para minhas mãos,
senão os gatos, o dorso, viajava neles.
 

E se um pássaro súbito:
não pelo avisto, pelo ouvido porém;
(o som é que é súbito) — e outra vez me mudava, 
era só ouvidos.
 

Para os meus olhos, 
eles se esbarraram – sobre todos os horizontes –
em cima da beleza: 
clamassem os dentes,
clamassem as mãos, clamassem as oiças, 
a pele também clamasse — qual nada! —
haveria de engolfá-la só com os olhos — 
anos a fio moro neles.
 

Um dia morei sobre o peito de minhas mães,
branca e preta, as mães,
(todas verdadeiras)
na mesma medida, agora, assim,
minha banda-fêmea 
te regaça:

desta vez
“mulher”,
sou tua “mãe”.
Pousa, amor,
te esbalda na cavilha deste peito-pulso
que pulso de pulsar te estremece: 
teus dentes, tua-inteira, toda-tua,
tua cara, teus cabelos, tua pele — tudo — e alma;
deixa-te cair neste infinito-agora.
 

Terminei de sair dos meus dentes, dos meus olhos, 
das minhas oiças também saí;
habito agora apenas esta minha mão;
sou apenas esta mão:

nenhuma diferença entre todas as coisas,
um dia quis pegá-las, mordê-las; mão, 
o calor de tuas sedas. 
 

E se dormires
recobrirei respeitosamente a tua nudez,
que é só tua —
pausadamente, pousa
o hálito 
na cavilha deste peito largo:
 

dorme, amor,
sossega,

da 
tua 
nudez — sossega —

que da aurora,
vigilante
eu tomo conta.


 

Fortaleza, noite alta, 8.2.1999

 


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Albrecht Dürer - Alemanha, 1515-1586

Study of Praying Hands
Brush and ink heightened with white on blue tinted paper
29 x 20 cm
Graphische Sammlung Albertina, Vienna