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Adélia Prado


Dia


As galinhas com susto abrem o bico
e param daquele jeito imóvel
- ia dizer imoral -
as barbelas e as cristas envermelhadas,
só as artérias palpitando no pescoço.
Uma mulher espantada com sexo:
mas gostando muito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

Adélia Prado


Objeto de Amar


De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
cu é lindo!

Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdôo, eu amo.

   

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

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Roberto Pires

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

Adélia Prado


Pranto Para Comover Jonathan


Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.

   

 

John William Waterhouse , 1849-1917 -The Lady of Shalott

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José Peixoto Jr

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

Adélia Prado


Parâmetro


Deus é mais belo que eu.

E não é jovem.

Isto sim, é consolo.

   

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

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J. Romero Antonialli

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Maja Desnuda

Adélia Prado


Poema Começado no Fim


Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.

   

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

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Domi Chirongo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tintoretto, Criação dos animais

Adélia Prado


Exausto


Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.


(in "Bagagem" São Paulo: Ed.Siciliano, 1993)

Remetido por - licia@inetminas.estaminas.com.br

   

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

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Dora Ferreira da Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

Adélia Prado


Explicação de poesia sem ninguém pedir


Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.


(in Bagagem)

   

 

Michelangelo, Pietá

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Andréa Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Judgment of Solomon

Adélia Prado


Casamento


Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.


O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva. 

   

 

Psi, a penúltima

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Luiz Rufatto, foto de Simone Rufetto