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Antônio Carlos Secchin


 

Reunião


Aqui estamos nós
unidos pelo sangue
e dispersos pela vida.
Sabemos de onde viemos,
mas não sabemos nossa saída.
De Antônio e Catarina
herdamos gestos, sonhos, corpos e voz.
Muito sabemos deles,
e pouco sabemos de nós.
Aqui estamos todos
- tios , sobrinhos, primos, avós – ,
corrente entre um ontem vivo
e um amanhã apressado,
frente a frente
com o futuro que nos chama,
cara a cara
com a chama de um passado.
Agora atravessamos juntos
Cachoeiro de ItapeSecchin,
esta estrada tropical da Itália
que desemboca em você e em mim.
E se recompondo o que nós fomos
este instante cintilar dentro de nós
num sopro que a vida não apaga
mesmo sozinhos não estaremos sós.


Cachoeiro, 13.11.1999
 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

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Maria Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Maja Desnuda

 

 

 

 

 

Antônio Carlos Secchin


 

Remorso


A poesia está morta.
Discretamente,
A. de Oliveira volta ao local do crime.


 

 

 

Da Vinci, Homem vitruviano

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Ivan, 2003

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tintoretto, Criação dos animais

 

 

 

 

 

Antônio Carlos Secchin


 

Poema para 2002


Caxumba, catapora, amigdalite,
miopia, nevralgia, crise asmática.
Dor de dente, dor de corno, hepatite,
diabete, arritmia e matemática.
Helenas, Marianas e Marcelos,
tomate, hipocondria e chicória,
sacerdotes, baratas, pesadelos,
calvície, dentadura e desmemória.
Pé quebrado, verso torto, ruim de bola,
nervoso, nariz grande, cu de ferro.
Desastrado, imprudente e noves fora,
muita prosa, mas gozo quase zero.
E para coroar todos os danos
benvindos sejam os meus cinqüenta anos.

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre

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Nei Duclós

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

Antônio Carlos Secchin



Palavra


Palavra,
nave da navalha,
invente em mim
o avesso do neutro.
Preparo para o dia
a fala, curva do finito
num silêncio de âncora.
Atalho onde me calo
e colho, como a um galo,
o intervalo do azul.

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

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Jorge Tufic

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

 

 

 

 

Antônio Carlos Secchin


 

Ou


você pode me pisar
que nem confete
você pode me morder
que nem chiclete
você pode me chupar
que nem sorvete
você pode me lanhar
que nem gilete
só não pode proibir
que nem piquete
se eu quiser escapulir
que nem pivete

 

 

 

Valdir Rocha, Fui eu

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Dimas Macedo

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

 

 

 

 

Antônio Carlos Secchin


 

"O meu corpo se entrelaça"


O meu corpo se entrelaça
ao suspiro, e gira e caça
no intervalo de um soluço
essa pele decifrada
pela força de meu sangue.
E com fúria e flama
não derrubo o que me abarca,
nem revelo em minha posse
as premissas do que sinto:
eu devoro o meu amor,
arbitrário como um cinco.

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

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Antônio Houaiss

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Antônio Carlos Secchin


 

Noite na taverna


1
Senta uma puta perto da taça.
Arde uma tocha acima da mesa.
Salta uma estrofe em cima da coxa.
Nasce um poema a toque de caixa.

Fora, uma virgem dorme na lousa.
Ri-se o poeta em torno da brasa.
A mão do poeta passeia na moça.
O seio da moça é uma pétala gasta.

2
Crepúsculo, vinho, hemorragia:
vai vermelha a voz da poesia.
A vida só vale o intervalo
entre início e meio de um cigarro.

Traga, taverneira, algo bem ríspido,
afogue em rum qualquer sonho nosso.
Brindemos ao que esconde o futuro:
metáforas, sífilis e ossos.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

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Ledo Ivo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

Antônio Carlos Secchin


 

Não, não era ainda a era da passagem


Não, não era ainda a era da passagem
do nada ao nada, e do nada ao seu restante.
Viver era tanger o instante, era linguagem
de se inventar o visível, e era bastante.
Falar é tatear o nome do que se afasta.
Além da terra, há só o sonho de perdê-la.
Além do céu, o mesmo céu, que se alastra
num arquipélago de escuro e de estrela.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

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Izacyl Guimarães Ferreira

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Antônio Carlos Secchin


 

Luz


Le jour n’est pas plus pur que le fond de mon coeur
Racine

ao ver
o não
que sai
da dor

o som
da voz
já vai
no sim

no tom
do céu
não vi
mais luz

do que
no sol
que há
em mim

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Yeda

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Elaine Pauvolid