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Maria Azenha


 

A tua boca sobre marte


mãe — é dezembro
se morreste, porque fazes
tanta força contra os números?
porque fazes tanta força
na matéria?
as máquinas levaram tudo
— a tabuada a lua.
a febre dos satélites entrou pela casa dentro. Ouves?
sentes?... todos os frutos
ao contrário na tabua­
da da neve.
e a tua boca sobre
marte. e eu sonhando.
sonhando o alfabeto como uma 'máquina lírica'.
sei agora ao contrário
como se chama o inverno. e as árvores
todas destelhadas pelos ventos
de mercúrio. Ë o teu nome dentro
com toda a força na paisagem:
as páginas as
casas

os peixes encarnados avançando
pelos números.

e a chuva toda lá fora ardendo,
pesada,
sobre a terra inteira como estátuas puras.
como se chama, mãe, a neve agora?
agora, mãe,
é janeiro
todo o tempo fora:
— as máquinas levaram tudo,
a tabuada a lua.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

Maria Azenha


 

Verdes serenos verdes
 

verdes perfis
serenas estradas
rotas
palavras que dormem como barcos
pela metade das casas
 

brancas              mágicas
suspensas 
por  asas.
 

palavras miraculosas
que
nos chamam devagar
 

palavras -diamantes
ru-
mo
rosas
 

num amplexo de ar


 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

Início desta página

Caio Porfírio Carneiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Maria Azenha


 

Século XXI ao longe!


De aqui de Portugal saúdo-vos ó todas as máquinas,
Século XXI ao longe!Estrelas extáticas!
Cidade com todos os movimentos por fora dos portões do
[absoluto!

Todos os vaivéns de Apolo para os cárceres privados
Todas as lixeiras monumentais pululando comigo,
Todas as orgias báquicas lá ao fundo dos muros,
Toda a erecção abstracta na literatura dos poetas
Toda a pulsação histérica! das raízes, das árvores, das pedras,
Todos os versos-símbolos roçando-se contra a força de Newton,
Todas as meretrizes-gestos aos concretos da alma,
Meus versos, meus pulos, meus urros!
Minhas sensações maiores em fuga para os símbolos!
Saúdo-vos! Saúdo-vos enfim deste solo!
Abram-se-me todas as portas!
Abram-se-me todas as janelas do passado!
Grande Carnaval de sensações cariocas,
Corpo e alma na contiguidade do Universo,
Ó sempre moderno e eterno átomo dos Cantores Transfinitos
Na voz universal dos poetas!

Por tudo isto vos saúdo.
Por tudo isto vos transmudo
Na consanguinidade da Terra e para a literatura do futuro.

Quero escrever agora sem intervalos nesta unidade moderna!
Quero escrever sem símbolos para a música das máquinas.
Quer ficar aqui, na impossibilidade de consubstanciar o mundo.
Quero passar e berrar e fazer literatura a todos os gritos.
Quero soltar os ventos e ir parar a todos os sítios,
Ser arremessada, atirada contra os muros, como as coisas que
[já estão longe,

E têm a força para além do infinito.
Ir por fora e por dentro a todos os momentos de tudo,
Por fora e por dentro de todas as fraternidades,
Mãos-dadas, palmas, sindicatos, comércios,
Estrelas extáticas no meu cérebro!

Século XXI ao longe!
Quantas vezes beijei o teu retrato!
Quantas vezes te marquei de Transfinitos!
Quantas vezes Rousseau, Picasso e todos os génios
Que estão para além de ti!
Ah, quantas vezes uma ânsia me ficou...

Alma-chave!, Alma-fera!
Alma-seta para todos os meus gestos carnais do passado,
Para todos os meus espasmos contidos!
Quantas vezes eu te bati!
Tu, carregado de limites!,
Século XXI ao longe! e a Cidade do Futuro!

Fora os políticos! Fora os literatos !
E os mercadores fáceis da literatura!

Fora com tudo!

Tudo isso é letra suja que mata
E esbarra com o espírito.
Deus é o sentido plurívoco do Universo.
Deus é o sentido antigo, motor-escada para o progresso:
Nave, grito, astrolábio,
Robot de todas as metafísicas!
Tudo numa grande corrida, numa grande indústria,
Numa grande marcha para a cidade no espaço.
Enfim, abstractamente, tudo rodando para cima de tudo
E fazendo um ruído disperso.
A alma é só una.
A alma é só una!

Por isso é a ti que endereço esta Carta Democrática,
Ë para ti que eu salto para cima de todas as ânsias inquietas
e confusas:
Círculos máximos, paralelos,
Panfletos de Futuro sobre os muros,
Paradeiro certo, ó grande libertador do cárcere das mulheres,
E não só!
Tua alma é nave!
Tua alma é ponte!
Não há apenas o sonho! Há a vida também!
E talvez uma outra terra para todos os propósitos incompletos,
Cortejo de mim,

Avé, salvé!

.................................................................................
.................................................................................


Gargalhadas com mandíbulas colectivas,
Braços de memória em uníssono nas vigílias,
Tatuagens com coágulos nos cachimbos
Velhas a fumar Tempo!

....................................Quando são dois e é só um a unidade,

Quando são três e continua a ser Um.
Quando são muitos e a unidade permanece.
Quando a inteligência é o princípio superior do Universo.
Por tudo isto vos saúdo,
Por tudo isto vos transmudo na voz universal dos poetas!
Por tudo isto, século XXI ao longe,
E a Cidade do Futuro!


 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

Início desta página

Paulo Franchetti, 2003

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

 

 

 

 

Maria Azenha


 

Eles vinham da missa


eles vinham da missa .
eles vinham da missa sozinhos .
traziam nos olhos o céu
nos pés talvez trouxessem
o coração .
eles vinham da missa …
mas eles vinham da missa sozinhos !
traziam nas mãos pechisbeques
unhas rentes oração
piolhos imaginados
um certo olhar vazio aveludado
em certo estilo
uma faca cravada nos dentes
uma amante nos slip’s
o põe-e-tira-a-chaga e tira-aquilo
dois lábios cronometrados
uma 6ª feira no adro
um frade no sermão .

eles vinham como um fardo .
eles vinham como o vinho .
eles vinham da missa amestrados
eles vinham consagrados .
e traziam à volta um chimpanzé
que lhes vendia a medo o império do Cavaco .
eles vinham da missa sozinhas
rodas-baixas na oração
com as damas pelos joelhos
ão , ão ,
ao serviço dos supermercados .

eles vendiam a porcaria da Justiça
às galinhas da Praça ! ,
à Mexicana ,
aos gelados sacré-coeur noites de Verão
eles traziam plantas carnívoras
nas barbas e nos lábios .

aos milhares como galáxias
eles diziam-se meus irmãos .
eles tinham um olho no deserto
e Outro ao lado das mãos .
eles vinham da missa .
eles vinham da notre-dame-nulle-part ,
bourdel das lágrimas vazias ,
pirâmides de Ravel .
mas está na moda um tumor de vez em quando
ou o Roberto Carneiro ou o Carneiro Carneiro
pisca-pisca na televisão .

eles tinham de facto filhos
como bolas de sabão ,
e a mulher era a Nossa Senhora da Face das Papoilas
a constituir uma equipe de football .

às vezes eles saíam da missa aos domingos
com facas nas algibeiras ,
faziam-se peditórios palestras
marchas S.tº Antónios
uma marca na lapela
e está tudo a postos para a Gravação :
o céu a clientela o Santo Padre nas janelas
como um fantasma ao Sol .
eles tinham fome e roubavam
as estrelas moribundas que passavam .

ah ! eles vinham da missa aos molhos
como uma procissão .
usam no próprio nome a Praça
e o desespero suga-lhes o coração
os termos a graça a raça
a Primavera de costas as mãos .
eu própria eu sei
que a Arte é uma coisa muito perigosa !
mas eles saem da missa
na vela dos seus iates .
e quando o Amor sopra
eles comem lagosta
no bidé da Praça .

eles fazem sempre amor quando o sacrário se abre .
eles inclinam as cabeças .
e se o Inverno intempestuosamente passa
eles põem olhos-de-sofrer nas gravatas .
eles são como flores fechadas
no enterro das Praças .
roubaram todo o ano o Templo dos Anarquistas !

eles sabem que a Arte é perigosa .
eles sabem que a Arte é preparada
Hora-aHora e não acaba .
eles têm medo quiçá das trevas do esteves cardoso
do Portas dos Poetas dos loucos dos pobres
dos filhos-de-Nada dos fala-Baratas
e por isso comem mortos !

mil e uma vezes eles sabem
que as armas dos Artistas
derrubam as Grades : a televisão os cigarros
as regras a macrobiótica
as greves os corpos
os deputados as datas ,
quais fumos em Altos-fornos
por onde a gente passa !…

eles saem da missa sozinhos
mascando Haxe nos lábios .
eles fumam a favor da Liberdade .
eles sabem que estão salvos .
eles sabem que são bonzinhos .
eles sabem que Deus é Deus
e Deus sabe tudo como eles .
eles sabem jazz eles sabem electricidade .
eles conhecem Expo-Sevilha ,
eles sabem Fado .
eles sabem tudo .
eles comem tudo .
eles são a grafonola da Canalha .

a morte p’ra eles é Pop ,
é molinha tem I.V.A. e tudo !
porque os outros é que morrem .
os outros é que atravessam
a porcaria da História ,
com discursos com ruas
com buraquinhos
com beijocas nos cemitérios
com os Lusíadas debaixo do braço
com a Demasia do Pessoa
com a série-noire do Vang Gof
com panfletos na pátria
com moscas no cafézinho .

eles sabem que a Arte é perigosa .
eles são Pop !

são a estereofonia ouvida em mono .

eles vêm da missa de jeep
como cristóvão colombo de barco .
eles trazem a América no carro .
eles pintam a morte num abrir e fechar dólhos
como que a dedilhar uma trova
e os pobres dão-lhes um osso .
e eles mordem .
eles são mesmo óptimos !
estão salvos com o céu todo .
eles vivem no caixão do Padre .

eles sabem que a Reencarnação
é uma ideia retrógrada .
eles sabem tudo . eles sabem Nada .
eles usam Nódoas .

eles vão ao “dancing”
ao “Bora-Bora” ao “Trumps”
eles vão pôr flores nos campos
relinchando orações pela boca-fora .
eles dançam às modas .

eles trazem um tremoço de Dante
no nevoeiro de D.Sebastião .
eles usam saco . eles usam molas .
eles usam até as metáforas na Televisão .

eles usam tudo .
eles sabem tudo .
eles comem tudo .
eles fedem tudo .

eles usam até binóculos
para dançar à espanhola na História .

Olé! Olé! Olé!

eles sabem que a Arte
é a coisa mais perigosa !

por isso a Greve sendo pomposa
é um processo estatelado na Cova .
nunca se deve fazer Greve
a favor de Nada .

a Greve é o Cartoon do Cunhal .
a Greve é construção-Naval .
a Greve é um grande Carnaval :

compra a mãe compra o padre
compra o filho num segundo
compra todo o mundo .
compra tudo .

o que se deve é fazer Arte .
Arte é Diálogo !
Arte aos Berros ! Arte Triunfal ! Arte no Pontão !
Arte no Porão !
Arte no Coração !
Arte no Sangue! Arte na Garganta !
Arte às mãos-cheias da matéria
das galáxias !
Arte nas Igrejas ! Arte nos Cavalos !
Arte no Jornal !
Arte nas crianças !

a Arte só se deve Vender às Baleias !

a Arte é o Espírito-todo o ano
todo o ouro atravessado nas igrejas .
a Arte é uma pedra violada
pelo chão !

a Arte é um Anjo !

a Arte é um carro envolto em nevoeiro
às buzinadelas na estrada ,

a Arte meu Deus
não é uma ideia !

a Arte é Virgindade !
a Arte é reencarnação !
a Arte é a chuva
reencarnada nas montanhas !
a Arte é o vento
espetado nas veias ,
a Arte é no mundo não haver Cadeias !
a Arte é o Amor amar todos por igual !
a Arte é tudo !
a Arte é Sinfonia !
a Arte é o maior Sinal !

mas eles saem da missa sem idéias…
eles saem para a rua
perfurados como um cartão …

E eu sou
como dizer-lhes ?!
um Poeta de Variedades !!!

 

 

 

Culpa

Início desta página

Miguel Sanches Neto, 2002

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Maria Azenha


 

Comunikação


Ah , não me tragam jornais !
nem discursos nem notícias !
nem ciências d’empilhar astros !
Sou filha de todo o mundo
e escrevo versos de rastos !
……………………………………..
E do Espaço comuniko ,
no Espaço digo a meu Pai :

Tempo nublado no Mundo !
Buenos Aires ,
nenhuma Consolação
Rio ,
1992 , Mar de Junho ,
Nova Iorque ,
Ladrão .

Europa!
Sábado!
Domingo !
A Grande e Monumental Prisão
no almofariz-atómico da Terra!

No Espaço comuniko :
digo pobre ,
digo rico ,
a calça negra do PIB
o quark
o IP : ou seja :
o índice de Poluição ,
o Buraco-Negro ,
a crise do Relâmpago ,
a chuva na Jugoslávia ,
IELTSIN ,
os sete países mais ricos ,

milhares de hectares produzidos
por novos escravos
em novo estilo marquês-de-sade ,

Projectado em iates ,
onde cromossomas azuis de fino trato
são exportados diariamente
para a Produção
para a Perfeição-Extrema-do-Corpo ,
para todas as Ideologias de Conforto ,
para os eclipses ,
para o Morto ,
para a Notre-Dame-da-Vida ,
para o Catolicismo-do-Ozono ,
para a Comunicabilidade diária ,
para o Esgoto .

para quem sabe no governo traficar
um Kilo de Cocaína ,
um metro de papoilas ,
um carro ,
uma camioneta de moscas ,
um camião de políticos ,
doze facadas , embriões humanos in vitro ,
uma colecção de narcóticos ,
um tubo de ensaio de Gritos ,
homens e mulheres irreconhecíveis
e ainda
um museu de Presos trucidados
enquanto uma Laranja adormecida
se penteava .

tudo isto participa
dum meti-cu-lo-sí-ssimo Plano !
tudo isto é o Grande Circo da Propriedade Humana !
tudo isto funciona como um Carnaval avariado
pela Esfinge do Caos ,
pelo código das Esculturas da Noite
que em nome da Santa-Fome
em nome de todo o globo ,

vão construindo

milhões de dormitórios para não-haver-sono ,
supermercados para o Consumidor ,
hipermercados para o Hiperconsumidor ,
cartões de Crédito para o Devedor,

Sistemas telefónicos internos
Para
CO
MU-
NI
KAR nenhum fogo
avenidas –sem-ruído para não-ser amor
professores para o não-pensador ,
computadores
para CO
MUNI-
KAR

e no centro do globo ,
a Consciência
Cósmica sem ter um lugar !

E ainda ,
num raio de 70 metros aproximadamente
todas as ruas arborizadas milimetricamente
com
moscas voadoras,
árvores de plástico,
varejeiras,
flores,
e
as montanhas
não vão aumentar de preço !

a cada mugido de uma vaca
é logo separada a Cria !

e tudo isto ,
pela cor-verde-mar
dos pecados de Roma
e
das Flores putrefactas.
Tudo isto como um jogo de Deus e do Diabo
num supermercado vazio !
Tudo isto porque Adão e Eva
não conhecem a Poesia de Vanguarda !

Em minha opinião
os Donos do Mundo e os seus Revendedores
alcançaram a graça recebida
pelo espírito do Lodo
no plano astral da Vida .

mas eu digo :
Nós não somos Gado !
Nós somos Criadores !
e por tal motivo ,
em vez de Pássaros e Ruídos ,
traremos para a Conferência do Mundo
o chão varrido pelos lábios destes Senhores ,
e em nome do Cosmos ,
em nome da essência do Homem ,
da nova Atlântida do mundo ,
semearemos acácias
no
ventre dos meninos !

Folhearemos mais tarde
o
Álbum da Terra
e
os cinco continentes de ouro
serão
to-
dos
UM !

 

 

 

Um cronômetro para piscinas

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Mário Pontes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

Maria Azenha


 

isto de ser poeta


(posso dizer que depois de a ler
não posso abrir “ o quarteto
a solo” incomoda como andar
ao Sol num dia de verão
sem ter um banco de jardim
onde pousar as letras)

hoje em dia um poeta
vale menos do que um cão
isto de deixar fugir os versos
pela internet dentro
causa-me uma grande aflição
e se amanhã eles não estiverem lá
que posso eu fazer
é muito perigoso escrever livros
hoje em dia hoje
vêm os vírus e apagam tudo
afectam as paredes do pc
não fica mesmo nada
é como se fosse tudo cego
o écran esconde as letras todas
ai senhor doutor ai senhor
doutor tenho uma dor de versos
tenho muito medo
preciso que me valha
sofro com isto tudo
é como se o meu sangue
fugisse todo pelo écran dentro
acordar de manhã ir ao sítio certo
e não ver lá nada
isto de ser poeta é uma grande aflição
ai senhor doutor ai senhor
doutor se calhar o melhor é ficar quieta
não escrever nada ficar muito quieta
ficar tudo na cabeça
não usar shampoo
porque os versos podem apagar-se
fugir todos como no écran
ai senhor doutor o remédio é ficar quieta
escrever coisas sem importância
pode alguém espreitar e apagar tudo
que é pior do que roubar alguém
pois não fica nada
e amanhã senhor doutor os poetas
escreverão poemas
só com uma simples troca de olhares
e os versos voltarão a ver-se

ai senhor doutor ai senhor doutor
isto de ser poeta

é uma grande aflição

 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Maurício Matos

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

 

 

 

 

Maria Azenha


 

O prazo de validade da escola


o prazo de validade da Escola
está fora do Um
entrego-me nas horas a polir as unhas ao Todo

o buraco da fechadura do mundo
está sujo

as empregadas
fecham as portas e marcam faltas
no supermercado onde vivo

escrevo no quadro está calada vânia
sem a metafísica do sujeito além do mais
o teorema de pitágoras foi de certeza roubado
da internet para testar a professora do armazém

deviam todos vestir a mesma bata para não se distinguir
a bélgica da alemanha da espanha e por aí fora
e também o país às terças feiras
quando toda a gente vai fazer compras
ao armazém de george orwell

as refeições continuam a ser repressivas
ninguém sabe o que come "está bem"
mas ficámos uns com os outros
por causa da noção do todo

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

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Ivo Barroso, 2003