João Augusto Sampaio
A condição humana
(Orientação para leitura, mental ou em voz alta. Cada verso “— É
um poeta” deverá ser lido com um dos seguintes sentimentos,
independentemente de ordem: ódio, desdém, inveja, menosprezo,
mal-querer, descaso, desprezo, arrogância, ironia, menoscabo,
vingança. Todos os demais versos, exceto o último, deverão ser lidos
em um mesmo tom, grave e tranqüilo. O último verso deverá ser lido
em tom muito alto e resoluto, encerrando-se a leitura do poema com
um forte soco na mesa!)
— É um poeta...
Elogiam, quando intentam ofender, os tolos.
— É um poeta...
Ponta de inveja, uma indireta.
— É um poeta...
Tomam-te por pateta.
— É um poeta...
Como incomoda, desacomoda, esse esteta!
— É um poeta...
Contestador, não é escultor, pintor, cineasta.
— É um poeta...
O pobre ri da riqueza estulta.
— É um poeta...
“Quantas ‘divisões’ tem o” poeta?
— É um poeta...
Desarmado, a quem afeta?
— É um poeta...
Terror dos tiranos, amor e carne do povo.
— É um poeta...
Multiplicador de pães, à turba alimenta.
— É um poeta...
Luz-dos-que-deveriam-ter-sido.
— É um poeta...
Como Dali, poeta, molemente dobras o tempo e os relógios.
— É um poeta...
Cento e cinqüenta anos depois te adotam nas escolas.
— É um poeta...
Cento e cinqüenta anos depois suscitas outro poeta,
filho do que dizia “É um poeta...”
Virá o Grande Dia em que todos serão poetas.
Enfim gritarão
É um poeta!
Da série Resgate de Palavras
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