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Carlos Figueiredo



Réquiem para Alfonso Dellelis


O sentido é simples. Querer dizer como era do teu olhar a
música, é dizer isso.

Na hora em que uns trabalhadores enterravam teu cadáver
era, tua, essa, a música que se ouvia.

Eles nos olhavam com olhar igual ao teu quando olhavas,
embora a quase todos isso passasse desapercebido.

No momento em que o caixão começou a descer, dentro da cova,
muitas pessoas choravam. Pensou-se até em um padre. Imagine!

De dentro do buraco, o coveiro, em um mirar ausente
de qualquer reverência - há um corpo a enterrar, eis tudo -
é que olha com expressão igual ao teu olhar quando
miravas.

Estavas era morto. Era isso que o teu olhar no dele nos
dizia.

E então, inexplicavelmente, pareceu que o instante
foi varado de luz, e que ali, afirmando apenas
que estavas morto e que isso era isso, enfim triunfavas.

 



Nota do Poema Réquiem para Alfonso Delellis

Líder (ou como ele dizia, "lide") sindical.Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de S. Paulo, foi preso em janeiro de 1964 distribuindo panfletos socialistas, num quartel do exército. Por interferência direta do Presidente João Goulart, foi solto em fevereiro. Assim que saiu, procurou Luiz Carlos Prestes, Presidente do Partido Comunista, ao qual estava filiado, e lhe relatou o que vira, na prisão: Os militares preparavam um golpe. E Prestes:"Isso é
impossível.O exército brasileiro é popular e democrata". "Como? Por quê?",ele quis saber. "Eu sou oficial do Exército Brasileiro.Eu sou popular e sou democrata", declarou o Cavaleiro da Esperança. Antes que findasse o mes de março, Dellelis embarcou em um navio para ir exilar-se na URSS.

Voltou ao Brasil antes da anistia e começou tudo de novo, clandestinamente. Sua existência foi toda consumida nessa luta.

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Chega a ser confortável a vida daqueles habitantes


Chega a ser confortável a vida daqueles habitantes
que vivem ao longo da Estrada de Ferro Transvesuviana,
que leva às ruínas de Pompéia e que contemplam
do alpendre, nas janelas, entre as venezianas
a cratera
no vértice rombo da montanha hiante.

O que nos resta é menos.
A esperança da dúvida.
Jamais saberemos por que o que existe existe.

A História é prima da histería.
 



Nota do poema "Chega a ser confortável ..."

Sétimo verso : "Rombo". Vale registrar, cf Silveira Bueno in " Grande Dicionário Etimológico e Prodódico da Língua Portuguesa", Vol. 7 2a. Tiragem, Ed. Saraiva, 1968, P.3751, o seguinte:

"Entre os mágicos da antiguidade, o rombo era um fuso de bronze, com que faziam encantamentos, prediziam o futuro, etc... O Gr. Rhombas da raiz rhombein, fazer gritar".

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

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Edmilson Caminha

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Jardins Secretos

A Goya

Além do espaço que o corpo esculpe
existem abismos.

São segredos que vão se consumindo
em silêncio como cera
no calor da vida

são silêncios de uma cor tão clara
são como flores.

Como são pássaros
as almas.

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova. 1864.

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Lucas Tenório

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

As estrelas brilham por amor


As estrelas brilham por amor,
como o mar, as crianças, a música,
como os homens quando são livres

 

 

 

Um esboço de Da Vinci

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Luiz Nogueira Barros

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Sou Silva


Polissêmico
De silvícola, de negro, de marrano.

Cada um a exigir sua vingança
em estigmas
cravados na memória.

Vivo como aqueles escravos
obrigados a ingerir,
como informa Cascudo
doses diárias de cachaça
para aturdimento.

 

 

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

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Octavio Paz, Nobel

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Pode-se bater


Pode-se bater
em uma criança
sem acordar os vizinhos.
Comparada a uma criatura
de médio porte
a criança é a vítima ideal.
É fácil sufocar
o seu pequeno grito.

 

 

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

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Regina de Souza Vieira

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Terramarear


No convés
o vento batendo no meu rosto,
eu pensava nas coisas que aconteciam
e acreditava
que a vida no mar é saudável.

A mão estendida para o mastro,
o barco cruzando o oceano.

Tinha treze anos e partia
em busca de glória e aventura.

 

 

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

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Rodrigo Petronio

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Cais é oferta da alma


Cais é oferta da alma
na noite.
Busca
ao estertor cavo
de navio
em ânsia de atracação.

 

 

 

Hélio Rola

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Rita Brennand

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Flores de Paraguay


Begonias
Y, en Paraguay,
Crisantemos.

No Brasil, o mato.

Plateños
lírios
en tumbas
porteñas.

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Yeda

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Eduardo Diatahy B. de Menezes

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Eu, da Morte, quase não morro.


Eu, da Morte, quase não morro.
Morro mais de mim que morro dela.

E em cada encruzilhada que me tem acontecido
eu me tenho visto
escolher caminho sempre aquele que a ela
torna mais fácil o mister que tem comigo.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

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Pedro Salgueiro

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

Carlos Figueiredo


 

Fosse o hálito dos tigres


Fosse o hálito dos tigres
bálsamo

e reconciliasse
a carne pântana
que recobre como fios de amianto
esse interior em que vive
estrangeiro de si mesmo
isso que parece ser o ser humano

E findasse esse exílio

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

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Iosito Aguiar