Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Wender Montenegro

wendermontenegro@hotmail.com

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail
 

Poesia:

 


 

Ensaio, crítica, resenha & comentário: 

 


Fortuna:


Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão
 

Alguma notícia do(a) autor(a):

 

Wender Montenegro nasceu em 16 de agosto de 1980, no pequeno e hoje extinto povoado de Lagoa da Luz, Trairi-CE.Como professor, atua na área de Ciências Humanas.Possui poemas publicados em três antologias, advindas de concursos literários: Idiossincrasias e Humano, humano demais, ambas de 2004, sob a organização de Arnaldo Giraldo, São Paulo-SP, com os poemas Girassol faminto, Breves palavras, Bandeiras e Funesto dia natal, e X Prêmio Ideal Clube de Literatura Prêmio Gerardo Mello Mourão, Fortaleza-CE, 2007, organizada pelo poeta Carlos Augusto Viana, no qual participou com o poema Noturno. Recebeu, com o poema Bandeiras, diploma de classificação na II Olimpíada Cultural – 500 Anos da Língua Portuguesa no Brasil, organizada por Sérgio Grigolletto, Barra Bonita-RJ, 2004.Em 2006, escreveu, em parceria com Chagas Conceição, um jornal literário mensal denominado Universo. Atualmente prepara seu segundo livro de poemas, intitulado casca de nós. (Out. 2010)

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sandro Botticelli, Saint Augustine, Ognissanti's Church, Firenze

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Gerardo Mello Mourão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maria Georgina Albuquerque

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maria Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Culpa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alphonsus Guimaraens Filho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Elaine Pauvolid

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Regina Sandra Baldessin

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vicente Franz Cecim

 

 

 

 

 

 

Wender Montenegro

 


 

de choros, sargaços e avencas

 


chorar
chorar tão longamente
como se a infância nos regasse ainda
como se o choro contivesse em si
o instante mesmo do parto do mundo
a ternura crescendo entre avencas
brotando dos olhos dos homens

chorar tão longamente
como se ainda nos legasse a infância
velhos desejos veleidades sólidas
apedrejadas pelo peso do nada

chorar tão longamente
até que a dor arraste para o fosso
o sal da culpa os sargaços
filhos do choro das pedras
e a compaixão nos conforte em silêncio

 

chorar tão longamente
as borboletas pousadas nos olhos
e um soluço líquido incontido
arrebentando a represa das mãos

o meu primeiro verbo foi
chorar
   

 

 

 

Deus

 

e no oitavo dia
viu que o descanso era bom
e fez a poesia

 

 

 

 

 

abstrato em luz e medo

 

o medo é a alma dizendo onde dói
pássaro conduzindo léguas
sob asas feridas

é grito de Munch sangrando a moldura
expressão da face à beira-morte
quando um anjo anuncia o delírio

é o temor do cântaro ao desuso
jardins plenos de sede e gerânios
cardumes de espectros
pescando crendices nos rios da noite

há mel e fé na colmeia do medo
e os anjos terríveis de Rilke
pintam de ferrugem cada luz e riso
semeiam gerânios sobre cada grito 

 

 

 

 

poema-fogo para Herberto Helder 

impossível ver seu rosto de homem
pentecostes na voz em meio à sarça ardente
seiva bruta na saliva que irriga lavouras
de poemas e ostras e algas
do mar da Madeira, ilha de mistérios
onda a levedar no pão de cada lua
ofício cantante em harpa de ouro e trigo
louros ressequidos pelo sol selvagem
de seu auto-exílio

impossível ver seu rosto em bronze
diamante polido pela mão de um anjo
a gritar: ó zona de baixeza humana
mítico maldito em estado selvagem

o olhar varado pela flecha de prata
do menino-bardo

 

cordão umbilical atado a tudo

que o tempo lavrou em vil caligrafia:

fogueira e monturo no buço da noite
cabelos de plantas descendo os adobes
ressaibos de dores nos poros do amor
explosão do átimo de Deus
lavas de dragão incinerando a pátina
vulcão regurgitando a própria entranha
escarrando pro céu o cuspe de sua alma

impossível não ler Herberto em chamas

 

 

 

 

 

delírios do verbo ou arapucas de pegar Manoel

ao poeta Manoel de Barros

 

1

as manhãs me imensam

como em Ungaretti

arroios me gorjeiam de esplendor

lá onde as árvores se garçam

e o sol brinca de arvorecer

 

 

2

a palavra cansanção tem ardimentos

e o menino descalço nem aí

pois lhe escuda a voz dos passarinhos

esse moleque arteiro estica o sol

carrega o cenho do peru no grito

 

 

3

bicho danado é maracujá

engole a voz das ateiras

as mangueiras roubam o sol do chão

e o pé de mastruz

enverdece os ossos da avó

 

 

4

mosca de manga

se agiganta no amarelo

como Van Gogh

borboletas adoçam a aridez dos cactos

e o sanhaçu assusta os mamoeiros

 

 

5

nas mãos do mar

a linha do horizonte tem cerol

lá, a pipa do céu cai mais depressa

quando as margens da tarde me anoitecem

 

 

 

 

 

 

punhado de sede presente

 

tome nas mãos a matéria impalpável da vida
a mesma que modela sonhos mistérios e lendas
que torna cinza as letras do epitáfio
e as ranhuras da dor mais agudas

recobre as dores dos antepassados
na alma gasta de opacos retratos
e nos umbrais de uma casa em ruínas
onde o tempo instalou os seus augúrios

recolha em si matizes de saudade
lençóis de chuva e o mais que regue amores
mas guarde sempre um punhado de sede
pois a memória tornará decerto
às fontes sempre quentes do presente 

 

 

 

 

 

 

 

 

da saudade ou tecido de esperas

 

o olhar colhe asperezas

nenhuma alma de regresso às mãos

cansadas de tecer esperas

nenhuma nau singra a saudade

e a tessitura é desfeita

pela ausência de abraços

 

 

 

 

 

 

 

casca de nós

ao poeta Jorge Tufic

 

o homem - feito de vômito e fome -

a fincar raízes em luas e pedras

desfia o seu casulo em cinza e bruma

argamassa de medo e dor e tédio

argila modelada em sede e náusea

 

gerado e fermentado a punhaladas

o poeta, este ladrão de luas,

ostenta as cicatrizes como insígnias

a flauta dos ossos soprada por Deus

apaga os astros e descerra as pálpebras

de luz da madrugada

a sua febre (res)suscita imagens

até que as chuvas possam ser colhidas

 

de que vômito ou fome é feito o homem?

e o poeta, este ladrão de luas?

 

 

 

 

mea culpa ou profissão de fé

                                             ao poeta Francisco Carvalho

 

semear poeiras e andrajos de esperas

dissecar os ossos das metáforas

acender espantalhos no amarelo das espigas

 

decantar o silêncio que sustenta o cais

ostentar um colar de metonímias

despir a voz da louca cuja febre anuncia

um evangelho apócrifo

 

caminhar sob pedras como por milagre

ouvir a foz rouca dos rios da infância

borrifar no azul as flores do arco-íris

 

pintar um verão vazio de andorinhas

se encharcar de sol e devaneios

hastear um lenço sujo de saudade

ajustar os ponteiros na cópula dos pardais

 

 

 

 

poeminha colhido de “um sonho” de Adélia

o sono me acorda para dentro
onde os gerânios florescem
acendendo as manhãs
nos olhos da menina de vestido florido
e flores no sorriso

o teu cabelo limpo, Adélia,
refletia vermelhos
mas um vermelho assim possível apenas
nas veias de um poema
e nos sonhos em chamas

eu sangrei uma cor, Adélia
eu sonhei

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

Francisco Carvalho

 

Um poeta alça vôo

Francisco Carvalho

(da Academia Cearense de Letras)

 

Hoje já ninguém leva mais a sério os vaticínios dos profetas da morte da poesia. Nunca tantos poemas foram escritos quanto nos três últimos quartéis do século passado até o começo da nova centúria. Trata-se de um fato que estaria a merecer estudo dos cientistas sociais. Por que a opção pela poesia, quando a prosa, indiscutivelmente mais plástica para a expressão de idéias e sentimentos, se presta admiravelmente para veicular estados poéticos sem as conhecidas limitações da isometria formal e até mesmo do chamado verso livre? Que não é tão livre quanto se imagina, conforme adverte T.S. Eliot, para quem “não existe verso livre quando se pretende fazer um bom trabalho”.Francisco Carvalho

Acabo de ler os originais do livro de poemas Arestas, de autoria de Wender Montenegro, que faz sua estréia nos domínios da seara poética. No poema que abre o livro, o poeta se pergunta qual a bandeira a desfraldar no seu percurso lírico. Depois de citar os nomes de vários poetas do passado e dos movimentos estéticos a que pertenceram, faz esta pergunta crucial: “A bandeira dos que não têm bandeira”. A ambigüidade do verso final frustra de certo modo as expectativas do leitor, que esperava uma definição explícita do posicionamento ideológico do poeta.

Mas nem tudo é perplexidade na produção inaugural do autor de Arestas. “Somente a paixão / guiava ¸caro / asas de ouro / não derretem ao sol”. Em ALIANÇA, o poético é captado de forma direta na “sombra / de águas / passadas / que ainda / movem / pupilas”. Note-se que o poeta faz uso de recursos lúdicos para criar uma paródia em torno do dito popular segundo o qual “águas passadas não movem moinhos”. Exemplo típico de que a poesia pode estar à flor da pele das coisas. Ou pode jorrar, de forma cristalina, das palavras mais simples do idioma, despojadas de fumos de erudição ou de ornamentos retóricos.

O lirismo não é uma forma de extravasar tentativas frustradas de amor. Pode servir de instrumento para denunciar abusos e intromissões do poder, contrários aos objetivos do sistema democrático, conforme se apreende destes versos: “Ó Democracia! / Em mares hostis, / ditadores vis, / com braços de polvo, / mataram teu povo / por asfixia!”. Em SILOGISMO, o poeta nos fala de cisnes e logo nos vem à memória o soneto famoso de Julio Salusse, onde ele e a amada são “como dois cisnes de alvacentas plumas”. Felizmente, os cisnes de WM nadam em outra direção: “refletem elefantes / na tela de Dali”, que sempre fez questão de ser heterodoxo, de não reverenciar a ordem constituída, nos domínios do poder, da palavra e dos pincéis.

De quando em vez, o poeta parece embrenhar-se por veredas românticas. Talvez reminiscências de Álvares de Azevedo, de Castro Alves, de outros poetas ligados à mesma vertente estética. “Sobre mim pesa um túmulo sombrio. // Minha lápide / – boquiaberta – // Sinos festivos tilintem, sombrios, / pois, das sombras / tecerei canções em dó...”. Com certeza terá lido os principais românticos brasileiros, no que procedeu muito bem, e assimilou certos matizes de melancolia daqueles poetas que sucumbiram na primavera da vida. O problema reside nesta frase de Mário de Andrade: “O passado é uma lição para se meditar, não para reproduzir”. O poeta de São Paulo adorava exibições narcisistas, que, felizmente, não lhe comprometeram a lucidez.

FILÉ DE ABUTRE, A MORTE USA ESTILINGUE, CANTO P(R)O(F)ÉTICO e vários outros poemas da coletânea demonstram a qualidade da oficina poética de Wender Montenegro, perceptível do ponto de vista da gramática normativa e da gramática estética. Não se faz poesia excepcional, com exceção dos gênios, cada vez mais raros, sem a estreita convivência dos grandes mestres da literatura, não importando a sua nacionalidade. É preciso visitá-los com alguma assiduidade, não para copiá-los mas para aprender com eles a complexa ciência da palavra exata, como pode alguém ser sábio sem ser pedante e, principalmente, que o ser humano é mais importante do que a máquina mais sofisticada do planeta, do que o mais avançado dos computadores de última geração. Fabricados, diga-se de passagem, pelo engenho do mais evoluído dos primatas.

Os acertos e desacertos dos poetas estreantes não devem servir de orgulho nem de frustração para ninguém. O poeta se constrói a partir de cada verso, de cada estrofe, de cada poema. É esta a sua alvenaria predileta, sedimentada com o cimento da palavra. O poema é talvez o caminho mais longo para a descoberta do homem. De seus píncaros ou de seus pântanos. De seus clarões ou de suas trevas. O poema deve ser o olho clínico que investiga as feridas do corpo e da alma. Até mesmo o poema hermético nos enxerga e sabe onde nos dói com maior intensidade. Wender Montenegro não ignora que a vida é uma caminhada entre curvas e arestas. Ao poeta cabe polir as arestas que nos magoam. Do tempo, da vida, do sonho, do amor e até mesmo da morte. 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

William Blake, Death on a Pale Horse

 

 

 

 

 

 

 

Ana Cristina Souto

 

 

 

 

 

 

Sânzio de Azevedo

 

Cartas sobre o livro “Arestas”

 

 

 

Fortaleza, 8 de fevereiro de 2009

 

Caro amigo e poeta

 

Wender Montenegro:

 

Obrigado pela oferta de seu livro de poemas Arestas, editado em São Paulo, e com introdução do meu amigo Francisco Carvalho, um dos maiores poetas deste nosso Ceará.

Agradeço, com mais veemência, a dedicatória impressa, onde figuro ao lado de três grandes poetas, entre os quais o Carvalho e meu amigo Jorge Tufic, bem como a dedicatória dos “Haicais”; estou mais do que honrado com isso. Só não entendi, na dedicatória manuscrita, a frase “Minha gratidão por tudo!” Fico feliz, mas acho que você não me deve quase nada...Sânzio de AzevedoSeu livro de estréia é mais do que uma promessa: tem, a meu ver, altos e baixos, mas que livro, mesmo sem ser de estréia, não os tem? Receba, portanto, meus parabéns.

Como costumo fazer, ao receber um livro, vou destacar alguns poemas (ou trechos de poemas), sem com isso estar desmerecendo os demais.

Destacaria “Bandeiras”, principalmente pelo fato de o poeta citar nominalmente alguns nomes do passado, acompanhando

os estilos de época, quando o mais comum hoje em dia é datar-se o início da literatura brasileira a partir da famosa Semana paulista...

“Noturno” me parece um dos textos mais significativos, e dele cito os versos “morcegos cravam no espaço / caninos sujos de treva” e “Ladrões escalam silêncios / e penumbras”.

Louvo a leveza de “Aliança”.

Dentre os “Haicais”, agradou-me, principalmente o III, “et pour cause”...

“Monarcas do azul” é um belo poema, com suas anáforas.

“Breves palavras” tem seu ponto mais alto, a meu ver, na quinta estrofe: “Do tempo / - usurário avarento - / nada nos gratuito; / nada nos é acrescido / que não nos seja tomado / na próxima esquina.”

“Da vida” é poesia com base no que a Astronomia hoje nos diz: o brilho que vemos nas estrelas é o brilho de milhões de anos atrás; talvez muitas já nem mais existam. Interessante a intertextualidade com o mais famoso soneto de Bilac no quinto verso.

Poderia ainda citar “Do belo”, do qual não consigo destacar um trecho: o poema deve ser lido por inteiro.

“A Morte usa estilingue”, “Silogismo” e outros textos merecem uma leitura atenta.

 Quanto à herança romântica, da qual fala Francisco Carvalho no prefácio do livro, ela está patente em vários poemas, como em “Post-mortem”. Com o tempo e a experiência ela se diluirá e ajudará na formação de seu estilo pessoal.

Parabéns e agradecimentos deste seu amigo

 

Sânzio de Azevedo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Manoel de Barros

 

Campo Grande, 22/4/2009

 

 

Agradeço de primeiro o seu

Arestas e o testemunho que o meu

colega-poeta Wender é também

poeta e meu leitor.

Meu caro Wender li seu livrinho

com grande prazer. O mesmo

prazer que a poesia sempre

me traz.

Não sou crítico de arte e nãoManoel de Barros

sei dar conselhos, mas me

arrisco a dizer que você é novo

e está poeta. Um grande

abraço e votos de outros

e outros livros se revelem

pra você.

 Abraço fraterno

            Manoel de Barros