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Fortuna crítica Neste bloco:
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Da fortuna (e infortúnio) críticos
Era de tarde, Recife, Pernambuco, 1994. Recém-chegado às letras, estava no açougue da Rua dos Navegantes, bem próximo do apartamento onde morávamos, quando um talhador veio-me entregar um fax. Eram folhas e folhas, ele, todo desajeitado para cuidar de papel tão leve, aquele rolo tão alvo a se desenrolar no vento da bela Boa Viagem. Ufa, que aflição! Não só o prefácio, como metros e metros de um puro susto: vinham carta longa e um poema ao aniversário do poeta César Leal. Corri para casa, largando a clientela no balcão. Era o GMM que vinha inteiro, Gerardo Mello Mourão, a quem homenageio no meu primeiro livro, Psi, a penúltima. Em seguida fui comemorar com o poeta Leal. Alguns dias depois, alta madrugada, já morando em Salvador, levanto-me noturno, no que aproveito para dar uma espiada no computador. O vício de deixá-lo ligado a noite inteira, direto, à moda cantiga de grilo — ou era um monitor defeituoso que, depois de apagado, dava o maior trabalho para acender. Terminava de chegar um email do poeta Mário Hélio dando-me conta de um artigo em O Globo, de Wilson Martins. Abri. Li. Imprimi. Reli. Lavei os olhos em sabão ardente para terminar de acordar. Os beliscões de praxe, dei-mos todos. Imprimi novamente. Li em seguida umas 72 vezes ou mais. Reconferi com outra re-impressão. Era madrugada, coisa de umas três da manhã. Liguei, ali mesmo, o papel trêmulo e eu também, para o meu amigo, o poeta Luís Antonio Cajazeira Ramos e passamos em claro o resto da manhã, lendo, relendo e retelefonando. No outro dia, assim que chegaram, comprei os cinco jornais da banca do Ondina Apart Hotel onde morava. Guardo-os intactos. Finalmente, no rol mágico dessas emoções súbitas, a carta ilegível de Antônio Houaiss, recém-saído de longa enfermidade, comentando que fazia questão de me escrever. Com toda habilidade, contatei com sua secretária. Ela me disse que mandasse a carta que "traduziria". Mandei cópia xerox e guardei, ao temor do extravio, debaixo do travesseiro, o original. Vieram outras cartas. Guardo-lhas todas, não só as dele, como as outras todas de todos os outros leitores. Projeto meu agora, colendas, plastificá-las.
Sem esquecer, é claro, um livro sem dedicatória, de um poeta sob intenso Parkinson, carta ditada à esposa, contando que não conseguia assinar, mas iria tentar. Tentou. Um trêmulo só, como se fossem as mãos e as lágrimas de meu tio mais velho, do lado de pai, ele me abraçando com os olhos. «A cara do meu irmão, o finado Tatim» — foi assim que ele, Raimundo, me trespassou a voz. Também esquecer aqueles outros... Ah!, são tantos que nem consigo enumerá-los, os primeiros: César Leal, Artur Eduardo Benevides, Francisco Brennand, Weydson Barros Leal, Francisco Carvalho, Manoel Ambrósio de Queiroz, Pedro Nunes Filho, Sébastien Joachim e outros e outros e muitos outros. Mais! É um prazer distinto! Dos grandes e dos pequenos; tanto quanto, senão mais, dos pequenos, imensos em generosidade, a se desculparem que críticos de poesia não seriam. Sobretudo daqueles que contam que arriscam um comentário pela primeira vez. Estas são as notícias da fortuna. Com um problema porém: é que de tanto cuidar do Jornal de Poesia, fui-me deixando para depois, muitas mudanças, muita coisa perdida. Tanto pior do que a de papel e tinta, a correspondência eletrônica que, em sucessivas levas de vírus de computador, perdi quase tudo. Por isto, meu amigo, se o seu escrito não está aqui, por favor, re-envie-mo outra vez. Desculpe-me. E as notícias do infortúnio? Quem disser
que não as tem... Melhor seguir a receita de Thiago de
Mello: «Um
lanho injusto, lama na madeira,/ a água forte de infância
chega e lava». Soares Feitosa
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