John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

Guilherme de Almeida


 

O Idílio suave


Chegas. Vens tão ligeira
e és tão ansiosamente esperada, que enfim,
nem te sentindo o passo e já te tendo inteira,
completamente em mim,
quando, toda Watteau, silenciosa, apareces,
é como se não viesses.


Vens... E ficas tão perto
de mim, e tão diluída em minha solidão,
que eu me sinto sozinho e acho imenso e deserto
e vazio o salão...
E, sem te ouvir nem ver, arde-me em febre a face,
como se eu te esperasse!


Partes. Mas é tão pouco
o que de ti se vai que ainda te vejo o arfar
do seio, e o teu cabelo, e o teu vestido louco,
e a carícia do olhar,
e a tua boca em flor a dizer-me doidices,
como se não partisses!
 

 

 

Maria Maia

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Ledo Ivo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

Gerardo Mello Mourão

Guilherme de Almeida


 

Maxixe


O chocalho dos sapos coaxa
como um caracaxá rachado. Tudo mexe.
Um vento frouxo enlaga uma nuvem baixa
fofa. E desce com ela, desce.
E não a deixa e puxa-a como uma faixa
e espicha-se e enrolam-se. E o feixe rola
e rebola como uma bola
na luz roxa
da tarde oca


boba


chocha.
 

 

 

Luís Antonio Cajazeira Ramos

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J. Romero Antonialli

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

 

 

Roberto Pompeu de Toledo

Guilherme de Almeida


 

Indiferença


Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado
passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.


Passo esquecido de te olhar, coitado!
Vais, coitada, esquecida de que existo.
Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amado


Mas, se às vezes, sem querer nos entrevemos,
se quando passo, teu olhar me alcança
se meus olhos te alcançam quando vais.


Ah! Só Deus sabe! Só nós dois sabemos.
Volta-nos sempre a pálida lembrança.
Daqueles tempos que não voltam mais!
 

 

 

Francisco Carvalho

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Izacyl Guimarães Ferreira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

 

 

 

 

 

 

José Alcides Pinto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jorge Amado

Guilherme de Almeida


 

Canção do expedicionário


Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do engenho,
das selvas, dos cafezais,
da choupana onde um é pouco,
dois é bom, três é demais.


Venho das praias sedosas,
das montanhas alterosas,
do pampa, do seringal,
das margens crespas dos rios,
dos verdes mares bravios,
de minha terra natal.


Por mais terras que eu percorra,
não permita Deus que eu morra
sem que eu volte para lá
sem que leve por divisa
esse "V" que simboliza
a vitória que virá:


Nossa Vitória final,
que é a mira do meu fuzil,
a ração do meu bornal,
a água do meu cantil,
as asas do meu ideal,
a glória do meu Brasil!


Eu venho da minha terra,
da casa branca da serra
e do luar do sertão;
venho da minha Maria
cujo nome principia
na palma da minha mão.


Braços mornos de Moema,
lábios de mel de Iracema
estendidos para mim!
Ó minha terra querida
da Senhora Aparecida
e do Senhor do Bonfim!


Você sabe de onde eu venho?
É de uma pátria que eu tenho
no bojo do meu violão;
que de viver em meu peito
foi até tomando um jeito
de um enorme coração.


Deixei lá atrás meu terreiro
meu limão meu limoeiro,
meu pé de jacarandá,
minha casa pequenina
lá no alto da colina
onde canta o sabiá.


Venho de além desse monte
que ainda azula no horizonte,
onde o nosso amor nasceu;
do rancho que tinha ao lado
um coqueiro que, coitado,
de saudade já morreu.


Venho do verde mais belo,
do mais dourado amarelo,
do azul mais cheio de luz,
cheio de estrelas prateadas
que se ajoelham, deslumbradas,
 

 

 

Myriam Fraga

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Barros Pinho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

 

 

 

 

Artur Eduardo Benevides

Guilherme de Almeida


 

Essa que eu hei de amar…


Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.


E quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,


quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…


E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"
 

 

 

Dimas Macedo

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Foed Castro Chammas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

Benedicto Ferri de Barros

Guilherme de Almeida


 

Haicai


Infância


Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".


Cigarra


Diamante. Vidraça.
Arisca, áspera asa risca
o ar. E brilha. E passa.
 

 

 

Jorge Tufic

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Helena Armond

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

Carlos Felipe Moisés

Guilherme de Almeida


 

Rudayard Kiplig
 

Se


Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;
Se és capaz de pensar — sem que a isso só te atires;
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;
Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao mínimo fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais — tu serás um homem, ó meu filho!

Tradução de Guilherme de Almeida
 

Clique na figura: SE, de Soares Feitosa

Velazquez, A forja de Vulcano

 

 

Nei Duclós

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Erorci Santana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jornal de Poesia, o nº 1 do www.google.com

Guilherme de Almeida


 

Arco-íris: 2- azul


Primavera.
Um pedaço de céu caiu na terra:
em tufos fofos de flocos frouxos frívolas hortênsias
volantes como crinolinas fúteis
desmancham-se em reverências
ou passeiam como sombrinhas lindamente inúteis
ou pousam empoadas de ar como pompons. O céu
é um grande linho muito passado no anil
que o vento enfuna num varal de vidro. Ele é o
toldo azul de um bazar
onde brinca vestido de ar
um clown elástico, ágil e sutil.


Publicado no livro Meu: livro de estampas (1925).
 

 

 

Junot Silveira

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Aníbal Beça