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Ribeiro Couto

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

 

 

 

 

 

Alguma notícia do autor:


 

Poesia:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Culpa

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Picador

Ribeiro Couto


 

Chuva


A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo... Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora...
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.


Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta...
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.


Dentro de nós existe uma tarde mais fria...


Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando...


Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.


Chove dentro de nós... Chove melancolia...
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ribeiro Couto


 

Esquecer


Longos dias de sonho e de repouso...
Ócio e doçura... Sinto, nestes dias,
Meu corpo amolecer, voluptuoso,
Num desfalecimento de energias.


A ler o meu poeta doloroso
E a fumar, passo as horas fugidias.
Entre um cigarro e um verso vaporoso
Sou todo evocações e nostalgias.


Quando por tudo a claridade morre
E sobre as folhas do jardim doente
A tinta branca do luar escorre,


A minha alma, a mercê de velhas mágoas,
É um pássaro ferido mortalmente
Que vai sendo arrastado pelas águas.
 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

Ribeiro Couto


 

No jardim em penumbra


Na penumbra em que jaz o jardim silencioso
A tarde triste vai morrendo... desfalece...
Sobre a pedra de um banco um vulto doloroso
Vem sentar-se, isolado, e como que se esquece.


Deve ser um secreto, um delicado gozo
Permanecer assim, na hora em que a noite desce,
Anônimo, na paz do jardim silencioso,
Numa imobilidade extática de prece.


Em lugar tão propício à doçura das almas
Ele vem meditar muitas vezes, sozinho,
No mesmo banco, sob a carícia das palmas.


E uma só vez o vi chorar, um choro brando...
Fiquei a ouvir... Caíra a noite, de mansinho...
Uma voz de menina ao longe ia cantando.
 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

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Luciano Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ribeiro Couto


 

Anjo de outrora


O anjo de outrora, adormecido na minha alma,
Acordou esta noite e espiou nos meus olhos:
A lágrima caída ainda há pouco era dele.


Foi ele que a esqueceu à porta dos meus olhos,
Com o discreto pudor com que à porta da igreja
Deixamos cair a esmola na mão de um pobre.
 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

Ribeiro Couto


 

Serenata em Coimbra


Por vós e de um só nome eu te chamaria,
Não fosse a inclinação ao natural — infanta! —
E o pudor que também mais alto se alevanta
No meu vocabulário e na minha poesia.


Passaste com um cântaro à cabeça.
E eu — Mondego, Choupal, Camões, Rainha Santa —
Outro nome não sei que te valha e mereça.
Infanta? Pobre rapariga,
Havia sugestões clássicas pelo espaço
E eras infanta, sim, na paisagem antiga:
Parecias pisar o mármore de um paço.
(Era estranho que eu não ouvisse o burburinho
De fidalgos em ala a oferecer-te o braço.)


Entre escuros portais vejo-me a errar sozinho.
Vai alta a noite. Em que casa moras?
Na colina, uma luz entre tantas
(Não de castelos de rainhas e de infantas)
Será tua janela ainda acesa a estas horas.


Amanhã voltarás ao rio, lavadeira.
Dorme... Dentro da noite um refrão de modinha
Sobe da terra ao céu numa voz estrangeira:
Se coimbra, se Coimbra fosse minha...
 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Marcelo Coelho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ribeiro Couto


 

Soneto da fiel infância


Tudo que em mim foi natural — pobreza,
Mágoas de infância só, casa vazia,
Lutos, e pouco pão na pouca mesa —
Dói na saudade mais que então doía.


Da lamparina do meu qarto, acesa
No pequeno oratório noite e dia,
Vinha-me a sensação de uma riqueza
Que no meu sangue de menino ardia.


Altas horas, rezando no seu canto,
Minha mãe muitas vezes soluçava
E dava-me a beijar não sei que santo.


Meu Deus! Mais do que o santo que eu beijava,
Faz-me falta o cair daquele pranto
Com que ela junto ao peito me molhava.
 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

Ribeiro Couto


 

O longe e o perto


Logo que a noite envolve em sombras o jardim
Parece que um mistério estranho me rodeia,
Bocas de flores se entreabrem para mim,
E não sei de quem são estes passos na areia
Nem este murmurar de uma queixa sem fim.


Como a seiva da terra alimenta as raízes,
Uma seiva secreta enche meu coração.
Deve ser o tal "gosto amargo de infelizes",
Plantinha sempre verde entre as pedras do chão,
Cujo travo provei em todos os países.


Tudo que pude fiz para não ser assim,
Mas não posso esquecer o longe pelo perto;
Os que amei e perdi dormem dentro de mim;
A culpa é minha, sou eu mesmo que os desperto,
Logo que a noite envolve em sombras o jardim.
 

 

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

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Maria da Conceição Paranhos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ribeiro Couto


 

Elegia


Que quer o vento?
A cada instante
Este lamento
Passa na porta
Dizendo: abre...


Vento que assusta
Nas horas frias
Na noite feia,
Vindo de longe,
Das ermas praias.


Andam de ronda
Nesse violento
Longo queixume,
As invisíveis
Bocas dos mortos.


Também um dia,
Estando eu morto,
Virei queixar-me
Na tua porta
Virei no vento
Mas não de inverno,
Nas horas frias
Das noites feias.


Virei no vento
Da primavera.
Em tua boca
Serei carícia,
Cheiro de flores
Que estão lá fora
Na noite quente.


Virei no vento...
Direi: acorda...
 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque