Luiz Bello
O bom-bocado
Os poetas não são santos
Nem jograis da burguesia.
Nem miragem hölderlinista,
Nem lugar-comum marxista.
Num esboço resumido
Seu perfil é conhecido.
Seus cantos têm harmonia,
Seu estro tem sintonia,
Sua inspiração é lírica,
Sua vibração onírica.
Suas vozes, pessoais,
Seus poemas, musicais.
Os poetas não são gente.
São seres imaginários,
Duendes, dignatários
No empíreo da própria mente.
Homeros, Dantes, Virgílios,
Patativas do Assaré,
São todos irmãos em arte,
Criadores de protótipos,
Modelos, estereótipos
Como Circe, como Ulises,
Personagens que se vê
Nas ruas, por toda parte,
Como Pedro Malazarte,
Como o Sacy Pererê.
Nos teares que fornecem
Os temas consagradores,
Eles não fiam, só tecem.
São decodificadores.
São equestres, são alados,
Centauros criptográficos
Cada qual com seu segredo,
Galopando nos milênios,
Percorrendo os hemisférios,
Pesquisando seus mistérios.
Querem antecipar os planos
Da sopa de aminoácidos
Que dizem ser nossa origem,
Da chaminé sem fuligem,
Sonho de Papai Noel,
Do néctar do Zodíaco,
Poeira cósmica e mel.
Querem desvendar os códigos
Da Inteligência Anterior
Que programou nossa vida
E os passos da humanidade
No rumo da Eternidade.
Contemplam, mostram, anunciam,
Repreendem, denunciam,
Consomem toda a existência
Configurando sua arte,
Seu esforço criador.
Não raro, falam de amor.
E ao fim e ao cabo seus críticos,
Eruditos, analíticos,
Concedem que sua obra
Tem consistência de sobra,
Tem forma, tem substância,
Merecendo um veredito
Favorável, mas restrito.
Eis que a comunicação
Não é ativa, é passiva,
Não está em quem transmite,
Mas sim em quem a recebe.
Logo, os versos, são do autor,
Mas a alma do poema,
A poesia em si mesma,
Esta pertence ao leitor.
O bom-bocado não é
Feito para quem o faz.
O bom-bocado, sim, é
Feito para quem o come.
|