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Juscelino Vieira Mendes


 

Chuva


Chuva, chove
Cai, mata, desce veloz
Torrencial, matinal
Desgraçadamente sobre eles, nós, todos...
Inunda, transborda rios: de sangue!
De água, sem cessar...
Continua matando, transbordando
No estado do Rio; do Paraná; de São Paulo e do Ceará...

Nada de água; água prá nada.
Fogem de lá prá cá... enchente...ingente, indigente!
Para morrerem de sede; de fome
Sem amor, de dor, de saudade.

Sem saudade; de amor...
Continua caindo, sempre
Molhando, invadindo
matando-os; não eles...

Não latifundiários; não os bons
Somente os maus
Desce, chove
cresce, enche
Mata a fome: de fome
Uns, outros, todos...
(...e inunda-me também o coração!).


enchente de janeiro de 1977.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

 

 

 

 

Juscelino Vieira Mendes


 

Morreu Sem Constrangimento
(Tragédia em três atos)


"Eu pensei que ciúme era uma idéia. Não é. É uma dor.
Mas eu não me senti, como eles se sentem, num melodrama
da Broadway. Eu não queria matar ninguém. Eu só queria morrer."
Floyd Dell



Houve quem dissesse
que matou e morreu
por amor, como se se pudesse
matar e morrer, aniquilando o eu

Ódio o tornou cego
Impulso do Id é o que restou
Não aceitou o controle do ego
Matou - Não amou!...

Estreitamento da consciência
sobrou apenas sentimento
Agiu sem Providência
e viveu tão pouco tempo

Martirizou-se; tornou-se pura violência
em tórrida manhã de dezembro:
Matou, Morreu, Morremos - Sem Constrangimento...


11 de dezembro de 1995.



NOTA:
Morte prematura

No dia 11 de dezembro, Christian Hartmann, 21, matou com seis tiros a ex-namorada Renata Cristina Francisco Alves, 20, e feriu gravemente Winston Goldoni, 23, com quem Renata estava namorando. Depois, se matou com um tiro na boca. Tudo numa sala de computadores da Escola Politécnica da USP. Eles cursavam engenharia macatrônica. Christian e Renata tiveram um relacionamento em 94, e ele já a havia ameaçado de morte.

Folha de São Paulo, página 18, 11/12/95.


 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Admiration Maternelle

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Rodrigo Garcia Lopes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

Juscelino Vieira Mendes


 

Em Busca do Tempo Perdido
 


"Mas quando mais nada subsistisse de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas - sozinhos, mais frágeis porém mais vivos, mais imateriais mais persistentes, mais fiéis - o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais,e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso da recordação."
Marcel Proust, in No Caminho de Swann



Busco em reentrância,
minha vida em Conquista,
a infância
à semelhança do personagem
de Proust, que, aturdido,
busca a imagem
do tempo perdido
ao comer um pedaço de madalena.
Tem o seu passado presente,
ao tomar uma xícara de chá de tília na
casa de sua mãe: comovente!
Nessa visão em túnel, ouço um som.
Mesmo efeito embriagante do chá de tília.
É Garfunkel: Mr. Robinson;
Cecília!
E a suave música que passa,
de chofre, faz-me reviver o Beco dos Artistas; o Jurema
e o velho pé de Cajá, que virou praça.
Madalena!

Caleidoscópio de minha viagem que doura,
em busca do que sempre fui ali,
prossigo para o Beco da Tesoura
e ingresso no ‘Bar Aracy’:
"Que foi feito de meu arroz doce com canela?"...
Alegre e satisfeito, saio para o Colégio Anísio Teixeira
na doce irresponsabilidade do ser - e pensando nela -,
sem nenhum tostão na algibeira.
Redivivo, assim, meu cérebro emocional em
amálgama perfeito - hipocampo e amígdala - em doce recordação redolente
de uma vida distante que vem
trazer-me de volta: Clemente!


Campinas, águas de março de 1997.


Notas:

1.Conquista: município baiano de Vitória da Conquista, lugar de nascimento do autor deste poema.
2. "Em Busca do Tempo Perdido": (parte inicial: "No Caminho de Swann") - obra máxima de Marcel Proust, tradução de Mário Quintana - Editor Victor Civita.
3.Logradouros públicos e estabelecimentos citados: permanecem com seus nomes inalterados.
4.As expressões: "cérebro emocional" e as palavras: "amígdala" e "hipocampo" são usadas no mesmo sentido na obra "Inteligência Emocional" de Daniel Goleman, tradução de Marcos Santarrita - Editora Objetiva Ltda.
5.Clemente: pai do autor deste poema, falecido em acidente de automóvel aos 37 anos de idade chegando em Vitória da Conquista.

 

 

 

Da Vinci, Cabeça de mulher, estudo

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Luciano Maia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Juscelino Vieira Mendes


 

Puros Olhos
Para Emil Sinclair


"Os filhos são herança do Senhor,
e o fruto do ventre o seu galardão."
Salmos 127:3


Tudo mudou
agora como nunca
nunca como agora.
Olhos negros — castanhos talvez — desconfiados me olham.
Fitam-me como se um estranho eu fosse,
repletos de ternura — puro amor candura...

Olhos que me deixam desatinado.
Puros olhos que olham:
impuros olhos repletos de tristeza e melancolia;
de ódio e rancor, às vezes repletos de amor...

Na alegria, no afeto e na esperança.
Tudo mudou! Você chegou! Amado antes de vir:
quando respirava por outros meios, que não os de agora, que não os de fora.
Filho desentranhado no calor, olhar-nos-emos sempre com amor?...


Campinas, anoitecer ensolarado de quinta-feira, 6 de janeiro de 1977.

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

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Raquel Naveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Judgment of Solomon

 

 

 

 

 

Juscelino Vieira Mendes



Tormento
Para Maristela Mendes


Porque, enquanto um homem permanece
entre os vivos, há esperança.
Eclesiastes, IX, 4


Há essa angústia de ser humano
E os répteis
se entrincheiram no hospital
E os vermes
se preparam para devorar uma linda criança
Indecorosa orgia da dor
Cruel da degenerescência humana...
E há essa indiferença de ser humano
que transcende as raias do absurdo
Insensatez:
"Onde está o teu crachá?"
"Não tem ninguém para examinar o sangue!"
"Já estou no meu horário de saída..."

E há essa alegria de ser humano
De ter com quem contar
Ter a quem buscar
Que paira sobre todos
E a todos domina
E ama

E há essa esperança de ser humano
Na manhã que vem suave e forte
sobre a embriaguez sonora do vento
apavorando vermes e répteis

E entre a angústia, alegria e esperança
um trilho imenso de leito ao lar
onde enfermeiras e médicos
crachás e pessoas; vozes e braços
harmonizam o cântico singelo e belo:
"Ela está salva — vai!...
Maristela vive — vem!."


Domingo, 29 de julho de 1990.

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

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Alberto da Costa e Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Juscelino Vieira Mendes


 

O Salvador


Porque isto é bom e agradável
diante de Deus nosso Salvador,
Que quer que todos os homens
se salvem, e venham ao conhecimento da verdade.
I Timóteo 2:3,4



Silêncio!
Templos repletos.
Nesta hora,
oram por ti,
velam por ti,
clamam por ti....

Respeito!

Ouça!

Belos cantos.
Falam de ternura, amor, salvação;
cantam, cantam, por tantos!

Por ti.
Oram com ardor
e velam vivos para que tenham vida

no Salvador...
Por que anseiam que tenhas vida,
se muitos querem prosélitos?...
Já não lhes bastam a lida?

Oh! Não buscam méritos!
Obedecem por gratidão
um salvar pretérito.

Ouça!
Velam por ti
como se fora louça

Velam por ti
para que não te quebres...

Ouça!
Não querem que pereças;
que vagues como ninguém;
que, sem propósito, te desfaleças;

que fujas do além
que ignores o porvir,
que certamente vem.

Não querem que Zaratustra e o devir
busques para a tua definitiva
e horrenda perdição, que há de vir.

A doutrina destrutiva
do niilismo não combina
com a natureza humana sempre-viva.

Ouça!

Clamam por ti
para que tenhas tempo

de decidir...
se queres alento,
perene alegria,
ou tudo por breve momento...

Não tens no porvir alegoria!
E no céu não entrarás
por vã filosofia...

Quem te conduzirás?...

Nem mesmo por Virgílio
Poeta soberbo te guiarás
como se fora um idílio.

Ouça!

Clamam por ti
para que vejas...
(aqui e ali)

O sublime amor de Deus
e da Luz eterna possas gozar,
reservada aos filhos Seus.

Não te permitas desanimar!
Não te cerres a Porta da Mansão
que te farás sublime amor encontrar.

Sabes tu, criatura — em vão —,
que por lei não podes entrar
a despeito dos labores de tua mão?...

Nisto tens que pensar
pois na incerteza
não podes ficar.

Ouça!

Clamam por ti
para que, nesta vida incerta,
conheças...

A Verdade que liberta,
enaltece a coroa da criação
e te livra da segunda morte certa.

Abra teu coração
e permitas nele Jesus
entrar, e cante uma nova canção...

Por ti teve morte de cruz.
Não como um espetáculo teatral
mas para que recebas a luz.

Ah! Como obter a vida eternal
se Jesus no túmulo ficasse?
Seria o final...

Mas, num passe,
dentre os mortos ressurgiu
mostrando sua face.

Ouça!

Oram por ti
Velam por ti
Clamam por ti

Para que vivas a adorada
Pessoa de Cristo, e não a imagem
de uma figura desfigurada.

— "Disse-lhe Jesus: Eu sou a
ressurreição e a vida; quem
crê em mim, ainda que esteja
morto viverá, e todo aquele que vive
e crê em mim, nunca morrerá. Crês isto?" —

Silêncio!
Clamam por ti.


Domingo pascal, 30 de março de 1997.



Notas:

"Assim Falou Zaratustra" - Obra do filósofo alemão Friedrich W. Nietzsche.

Vide Carta de Paulo aos Colossenses, cap. 2:8

Referência à Divina Comédia - Inferno - Canto I - Durante Aldighiero.

"E temeu, e disse: Quão terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a casa de Deus; e esta é a porta dos céus." - Gênesis 28:17.

"E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." - Palavras de Jesus Cristo - João 8:32.

Palavras de Jesus em João 11:25,26

 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

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Edna Menezes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

Juscelino Vieira Mendes


 

As Chamas de Almas Mortas
Para o Pataxó: Galdino Jesus dos Santos - em memória


As chamas de almas mortas
Se movem - Mais um índio cai inerte
Envolto pelas chamas ignotas
De um desdenhar que perverte.
Almas que se ocultam entre as chamas
Para o destilar do ódio, da amargura...
E, surdas, em noite escura,
Não ouvem um ser que clama!

Em meio àquelas labaredas, terminal
De sonhos, esperanças, calor...
Que viraram tochas em macabro ardor
De madrugada seca e infernal

Vislumbramos a solidão do deserto
Que há em todos nós, que navegamos
Em mar vermelho e incerto
De tubarões gélidos que encontramos.

Era um Pataxó que quisera ser
Mendigo de suas próprias heranças
Destronado que fora dos sonhos de ter
Suas matas, habitadas de lembranças.

Recebeu sua parte comendo o pão
Buscado sob mesas fartas,
O seu pedaço de chão:
Em chamas, à semelhança de suas matas.

 



Nota: o autor é neto de uma Pataxó (Ana Maria de Jesus, de 90 anos).
 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

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Napoleão Maia Filho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Juscelino Vieira Mendes


 

Frenesi Em Flor


Guiado por luz fosforescente
penetro tu´alma feito andarilho
que adentra, sem empecilho,
os portais de catedral, clemente.
Alojo-me na ingente esperança
de ficar e de não ser eu obrigado
e instado a permanecer arado
nas veleidades de um ser lembrança.

Enxergo nas águas escuras de tu´alma
a luminosidade nascida pela pujança
de um vento que me acalma...

E me absorve num frenesi em flor,
se abre com o cheiro de teu amor
e alcança o âmago de minh´alma.



Campinas, Noite calma e fria de 7 de junho/97

 

 

 

Um cronômetro para piscinas

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Maria da Conceição Paranhos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

 

Juscelino Vieira Mendes


 

 Sem Ecos no Silêncio Agora


"Donde no hay ecos el silencio es tan horrible como esse peso que no deja huir, en los sueños."
La Invención de Morel - Adolfo Bioy Casares



Saboreamos pelo tempo vivido
a parca alegria oferecida
neste palco de tábua embevecida
no pulsar de coração aturdido
Tristezas ensolaradas, frias
passagens de tempo presente
de vivências pretéritas no ingente
afã de buscar significado nos dias

Astros movidos por leis particulares,
dependentes de vãs lembranças
que desmoronam frágeis pilares

De dor em dor; em desesperança:
desarmonia de ossos e nervos
em bucólicos vilares.


Campinas, 6 de julho/97
 

 

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

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César Leal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Juscelino Vieira Mendes


 

As Flores Exalavam Silêncio...


O espaço, maior que o destino,
abarcava alguns em desatino
estampando dor em inteireza.
As flores exalavam silêncio...
De perfume acre,
em lacre
fremiam no incêndio.

O ambiente abafado e triste
lembrava-me a mim,
com dedo em riste:

agora você existe!
Amanhã será assim.


 

 

 

Valdir Rocha, Fui eu

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Giselda Medeiros