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Luiz Nogueira Barros


 

Do Lírio e da Estrela


De certezas foi a ponte construída.
E a estação, de aromas benfazejos,
fazia antesonhar a flor
nutrida do silêncio da procura.

Calmo rio, teu profundo olhar
ainda refletia lembranças delicadas
dos verdes vales dos caminhos que,
arriscando paisagens prosseguiste,

trazendo em teu ventre o intocado
lírio para a festa das fronteiras
da madrugada consumida em chamas.

E quando despertamos era noite ainda:
e o lírio feito estrela já brilhava
- incorporado ao céu das nossas vidas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Luiz Nogueira Barros


 

Soneto à liberdade


Longa será, por certo, a estiagem:
fazem antever as nuvens e os ventos.
Que se encham pois as malas de viagem,
que a vida exige assim nesses momentos.

E é bom, também, que o "viver-tristonho",
tal um corcel alado e renovado,
salte do cerne universal do sonho
e voe pelas planícies - imaculado.

E que visões de cata-ventos e moinhos
encontrem o sentido exato desse agora
na selva de pedra dos caminhos.

E mude-se enfim o sonho de outrora,
que tem levado a vida aos descaminhos,
a cada passo, a cada instante e hora.

 

 

 

Hélio Rola

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Vicente Franz Cecim

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Luiz Nogueira Barros


 

Eu...


Eu sou aquele
das esperanças eternas:
peregrino entre a humanidade,
com mão de carícias
plantando sementes de sonhos.

Pedinte das ruas
vejo as pessoas:
de olhares aflitos,
de passos trôpegos,
de ouvidos magoados,
de almas dilaceradas,
de corações partidos,
e ainda lhes suplico
irem adiante
que a vida é tênue
e denso é o sonho !...

Eu sou aquele
que sempre chega
e que sempre parte
de mão vazias
sem ver os frutos
do seu trabalho :
- sou a utopia !...

O JORNAL - 14.04.96
 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova. 1864.

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Erorci Santana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Maja Desnuda

 

 

 

 

 

Luiz Nogueira Barros


 

O cavalo branco


Eu queria agora o meu cavalo branco
que tenho procurado pelos brados.
Seria bom qu ’ ele tivesse asas e cascos afiados.
Eu o montaria:
e de crinas erectas aos ventos da eternidade
ele deixaria, na partida, marcas sobre a terra !...

 

 

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

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Izacyl Guimarães Ferreira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

 

Luiz Nogueira Barros


 

Do Encontro


Qual paisagem acontecida, rosa,
surgiste ao meu olhar incrédulo.
E em azul - teus olhos - aves encantadas,
pousaram nos meus sonhos andarilhos.

Houve silêncio. E presenças, abolindo
desertos percorridos.E os sentidos,
arquitetos sutis desses instantes,
construíram invisível ponte entre nós.

E o olhar estremeceu as estruturas
ressentidas, da busca já suposta eterna
porquanto, a dúvida do existires

era tormento povoando a vida,
haurindo a seiva do amor
e receiando se extinguir sem conhecer-te.

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Yeda

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J. Romero Antonialli

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Luiz Nogueira Barros


 

Do partir e do voltar


Partir. Voltar.
Outra vez partir
e outra vez voltar,
compõem somente
um quadro natural
do tentar-viver.

Se mais, talvez,
estranha sinfonia
de aflitos pés
buscando o tom da vida
com riscos de não ouvi-lo.

E assim,
para uma existência machucada
o sonho pode acabar numa única saída:
esquecer roteiros e apagar paisagens...

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

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Ledo Ivo

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

Luiz Nogueira Barros


 

Infortunística


A tragédia dos vôos
dos Dédalos e Ícaros improvisados
sob a fria fantasia das estrelas
para a soalheira dos dias causticantes...

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

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Roberto Pires

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

Luiz Nogueira Barros


 

Luta


Luta mais feroz não há que a dos erros
saindo das cavernas mais recônditas
de portas derrubadas aos últimos instantes:
quando a morte é certa e a vida uma tolice !...

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

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Thiago de Mello

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

 

 

 

 

 

Luiz Nogueira Barros


 


Milagre


E operou-se o milagre do silêncio
na boca que para o mundo se fechou.
E nos sentidos, que descobriram transparências
escondidas nas muralhas de argamassa e pedras:
que os sonhos inda imaturos não percebiam,
enganados - por séculos de mentiras...

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata

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José Peixoto Jr

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Luiz Nogueira Barros


 

Viagem


Parto pleno de ventura e na aventura
da viagem empreendida levo o que sobrou
da infância, da juventude e do agora :
fantasia que um dia foi futuro.

Palavras ditas e juradas serão tolas
quando os momentos são de indiferenças.
Mas se o pensar a fala justifica
o tempo é grave amigo e jamais falha.

Hei de seguir assim a antevisão do olhar
e no desenho das paisagens presumidas
serei tudo o que vi, sofri e aprendi.

E tudo será novo como o sempre:
que os sonhos inatingidos não abortam,
pois são gestações que sabem esperar.

 

 

 

Maura Barros de Carvalhos, Tentativa de retrato da alma do poeta

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Mauro Mendes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Luiz Nogueira Barros


 

Réquiem para Mayakovsky
(ou contra-poema do amor cativo)


Em homenagem a Eliseu Visconti
 


E foi dessas colunas, num certo dia flautas vertebradas,
Do poema “Flauta Vertebrada”, de Mayakovsky,
que de tantos cantos entoarem sobre as dores do amor
que o crânio do poeta se elevou em taça
e vinho aspergiu em honra das amantes mortas,
para a tristeza das Silfides ,
ainda vagueando soturnos e noturnos cemitérios.
E jamais daquelas outras, de Atlas –
– que sustentavam o mundo –
que entre os homens e mulheres
malgrados os triunfos e blasfêmias,
deitou raízes e floresceu o amor
nos bosques onde ninfas e faunos
ouviam sons de flautas mágicas.

E foi que Deus,
temeroso de blasfêmias mas prudente
fez do amor um cativeiro.
E fez do homem um Prometeu Acorrentado,
e fez da existência um penhasco sobre as águas,
e fez do calor de certos seios imprevistos
nos roteiros delirantes das paixões humanas,
fonte única do amor dos peregrinos dessa arte.
E disse:
– Carregarás o peso que te atormenta,
tal a leviandade com que pensaste e temeste
o verdadeiro e único amor !

E foi, também, e aí, que o poeta Maiakovski,
temente ao amor-único como fim último da existência,
blasfemo, insone, sem companhia na noite,
o peito ardendo tal o inferno
na noite fria de Nevski,
o pensamento incandescido,
pedindo a Deus ser amarrado à cauda de um cometa
para em seu giro se estraçalhar nos dentes das estrelas,
ou então ver na Via Látea a forca merecida
onde Deus o esquartejasse,
que o grito primitivo saiu do fundo
de uma alma amargurada pelo medo
e pela negação de um Ser Supremo:
– Mas afasta, Deus, de minha vida,
a que me escolheste como a verdadeira amada !...


 

 

 

Leonardo da Vinci, Embrião

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Caio Porfírio Carneiro