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Olavo Bilac


 

Ciclo


Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,
Promessa ardente, berço e liminar:
A árvore pulsa, no primeiro assomo
Da vida, inchando a seiva ao sol... Sonhar!
Dia. A flor - o noivado e o beijo, como
Em perfumes um tálamo e um altar:
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta à voz dos pássaros... Amar!

Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;
A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da idéia em perfeição... Pensar!

Noite. Oh! Saudade!... A dolorosa rama
Da árvore aflita pelo chão derrama
As folhas, como lágrimas... Lembrar!
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

Olavo Bilac



Como a floresta secular


IV

Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria

Não atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria...

Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora...

Palpitam flores, estremecem ninhos, . .
E o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.
 

   

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Pipelighter

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Myriam Fraga

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

Olavo Bilac


 

Como quisesse livre ser


XXXII

Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.

Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o vôo, e chora,
E chora, a vida antiga recordando ...

E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação...

Assim por largo tempo andei perdido:
— Ali! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mão!
 

   

 

Ticiano, O amor sagrafo e o profano, detalhe

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Ivan, 2003

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

Olavo Bilac



De outras sei


IX

De outras sei que se mostram menos frias,
Amando menos do que amar pareces.
Usam todas de lágrimas e preces:
Tu de acerbas risadas e ironias.

De modo tal minha atenção desvias,
Com tal perícia meu engano teces,
Que, se gelado o coração tivesses,
Certo, querida, mais ardor terias.

Olho-te: cega ao meu olhar te fazes ...
Falo-te — e com que fogo a voz levanto! —
Em vão... Finges-te surda às minhas frases...

Surda: e nem ouves meu amargo pranto!
Cega: e nem vês a nova dor que trazes
À dor antiga que doía tanto!
 

   

 

Ticiano, Flora

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Paulo Bomfim

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

Olavo Bilac



Deixa o olhar do mundo


X

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?

Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Deste amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.
 

   

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Foed Castro Chammas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

Olavo Bilac



Dormes...


XVIII

Dormes... Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, à túnica estendida?

São meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vão, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!

Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro... e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiro

Beijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo
Por que surge tão cedo a luz do dia?!
 

   

 

Titian, Noli me tangere

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Natércia Campos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

Olavo Bilac



Em mim também


VI

Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.

Mas amastes, sem dúvida ... Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.

Quem ama inventa as penas em que vive;
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.

Pois sabei que é por isso que assim ando:
Que é dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.
 

   

 

Michelangelo, 1475-1564, David, detalhe

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José Peixoto Jr

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

Olavo Bilac



Fogo-fátuo


Cabelos brancos! dai-me, enfim, a calma
A esta tortura de homem e de artista:
Desdém pelo que encerra a minha palma,
E ambição pelo mais que não exista;


Esta febre, que o espírito me encalma
E logo me enregela; esta conquista
De idéias, ao nascer, morrendo na alma,
De mundos, ao raiar, murchando à vista:

Esta melancolia sem remédio,
Saudade sem razão, louca esperança
Ardendo em choros e findando em tédio;

Esta ansiedade absurda, esta corrida
Para fugir o que o meu sonho alcança,
Para querer o que não há na vida!
 

   

 

Alexander Ivanov. Priam Asking Achilles to Return Hector's Body

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Caio Porfírio Carneiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

Olavo Bilac



In extremis


Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim! De um sol assim!
Tu, desgrenhada e fria,
Fria! Postos nos meus os teus olhos molhados,
E apertando nos teus os meus dedos gelados...

E um dia assim! De um sol assim! E assim a esfera
Toda azul, no esplendor do fim da primavera!
Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!
Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento
Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...

E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! E este medo!
Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,
A arredar-me de ti, cada vez mais a morte...

Eu com o frio a crescer no coração, — tão cheio
De ti, até no horror do verdadeiro anseio!
Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,
A boca que beijava a tua boca ardente,
A boca que foi tua!

E eu morrendo! E eu morrendo,
Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo
Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,
A delícia da vida! A delícia da vida!
 

   

 

Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

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Paulo Franchetti, 2003

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

Olavo Bilac



Inania verba

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
— Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...


O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava;
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?


Remetente: Marcia 
 

   

 

Caravagio, Extase de São Francisco

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Iosito Aguiar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba,

Olavo Bilac



Leio-te:


Leio-te: — o pranto dos meus olhos rola:
— Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo do livro sinto que se evola ...

Todo o nosso romance: - a doce esmola
Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso, - neste poema verdadeiro,
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.

Sinto animar-se todo o meu passado:
E quanto mais as páginas folheio,
Mais vejo em tudo aquele vulto amado.

Ouço junto de mim bater-lhe o seio,
E cuido vê-Ia, plácida, a meu lado,
Lendo comigo a página que leio.
 

   

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

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Regina de Souza Vieira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

Olavo Bilac



Língua portuguesa


Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...


Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

 

   

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

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Edmilson Caminha